Título: Discurso de Obama pela liberdade de expressão sofre censura na China
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2009, Internacional, p. A12

Encontro de líder americano com estudantes não é transmitido na TV nacional e seus trechos são tirados de sites

PEQUIM

No seu primeiro dia de visita à China, o presidente americano, Barack Obama, fez em Xangai uma apaixonada defesa da liberdade de informação e de outros valores centrais dos EUA que considera universais, como participação política, liberdade religiosa e respeito às minorias.

O discurso, porém, não foi transmitido pela TV nacional chinesa. Alguns trechos provocativos sobre a importância da liberdade na internet foram colocados nos sites de notícias chineses num primeiro momento, mas logo foram retirados.

Além disso, o governo chinês fez uma pré-seleção dos estudantes que ouviram Obama. O discurso foi feito em uma universidade e depois os alunos puderam fazer perguntas. No entanto, as questões quase sempre refletiram o ponto de vista oficial. A única exceção foi a pergunta lida pelo embaixador dos EUA na China, Jon Huntsman, escolhida entre as que foram enviadas ao site da missão americana em Pequim. Segundo o jornal The Washington Post, a grande maioria dos estudantes presentes era membro do Partido Comunista.

Ainda assim, funcionários do governo dos EUA disseram-se satisfeitos. "Entendemos que há limites", disse o assessor da Casa Branca David Axelrod. "Obama teve a chance de dar suas respostas a uma audiência grande na TV local e na internet. Isso fez o evento valer a pena", completou, numa referência a uma TV de Xangai e ao site QQ (com uma média de 43 milhões de acessos), que transmitiram o evento ao vivo.

A China censura a imprensa e a internet, restringe a atividade religiosa, tem um Judiciário submetido aos interesses do Partido Comunista e é criticada por sua ação no Tibete e em Xinjiang, províncias habitadas por etnias minoritárias. Mas o tema que mereceu a maior parte da atenção de Obama foi a censura na internet. O presidente defendeu o acesso irrestrito à rede - até mesmo a sites como o Twitter, bloqueado na China, da mesma forma como o Facebook e o YouTube.

"Quanto mais livremente a informação flui, mais forte as sociedades se tornam, porque os cidadãos dos países ao redor do mundo podem fiscalizar seus governantes. Eles podem pensar por si próprios. Isso estimula a criatividade", disse Obama.

A China tem o maior número de internautas do mundo - 350 milhões - e usa um sofisticado sistema chamado de "grande muralha de fogo" para bloquear o acesso a milhares de sites de conteúdo considerado "sensível" pelos censores de Pequim. As páginas mais censuradas são as que criticam a situação dos direitos humanos no país, defendem a independência de Taiwan ou do Tibete, propõem reformas políticas ou fazem menção a grupos religiosos banidos na China.

O encontro de uma hora com 400 estudantes universitários foi intensamente negociado entre as autoridades chinesas e americanas. A agência oficial de notícias Nova China supostamente mostraria o evento "ao vivo", mas apresentou apenas as transcrições do que foi dito.

Obama foi cauteloso em suas afirmações e fez várias referências à necessidade de se respeitar as diferenças culturais e históricas entre os países. Mas ressaltou que considera certos direitos individuais universais.

"Nós não buscamos impor nosso sistema de governo, mas não acreditamos que os princípios que defendemos são exclusivos de nossa nação", disse. "A liberdade de expressão e religiosa, o acesso à informação e a participação política, nós acreditamos que são direitos universais, que deveriam estar acessíveis a todas as pessoas, incluindo minorias étnicas e religiosas - nos EUA, na China ou em qualquer outra nação."

O líder americano respondeu a oito perguntas. A mais crítica aos EUA foi feita por um internauta de Taiwan que vive na China e se dizia preocupado com a possibilidade de Washington continuar a vender armas para a ilha.

Obama disse que não modificará a política de "uma só China" e se declarou satisfeito com a redução da tensão entre os dois lados do Estreito de Taiwan, impulsionada pelo fortalecimento do comércio e dos investimentos, além da eleição, em 2008, de um presidente taiwanês que não defende abertamente a independência da ilha. A questão da venda de armas ficou sem resposta.

Obama reúne-se hoje pela manhã com o presidente Hu Jintao em Pequim. Originalmente prevista nos anúncios do próprio governo chinês, a entrevista coletiva dos dois presidentes foi transformada numa declaração conjunta, durante a qual não serão permitidas perguntas dos jornalistas.

COM THE WASHINGTON POST