Título: O fim da História sem o triunfo do Ocidente
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/11/2009, Internacional, p. A13

O 20º aniversário da queda do Muro de Berlim acaba de ser celebrado. Para muitos, aquele momento marcou o que se chamou "fim da História" e a vitória final do Ocidente.

Esta semana, Barack Obama, o primeiro presidente negro da superpotência triunfante da Guerra Fria, viaja a Pequim para reunir-se com o banqueiro dos EUA - o governo comunista chinês -, uma perspectiva jamais imaginada 20 anos atrás. Certamente, essas mudanças são um bom ponto de partida para refletirmos sobre o caminho seguido pela História nas últimas duas décadas.

Comecemos com uma observação radical e provocativa para continuar o raciocínio: o ensaio de Francis Fukuyama O fim da História pode ter danificado seriamente o cérebro dos ocidentais nos anos 90 e depois. Fukuyama não deve ser responsabilizado por isso. Ele escreveu um ensaio refinado e sutil. Mas poucos intelectuais do Ocidente leram seu texto na íntegra. Em vez disso, apenas captaram como mensagem duas frases daquele texto: o "fim da História", igual ao "triunfo do Ocidente".

O orgulho ocidental pesava no ar na época. Em 1991, ouvi uma importante autoridade europeia dizer a um grupo de asiáticos "a Guerra Fria acabou. Restaram apenas duas superpotências: EUA e Europa".

Essa arrogância explica também como ocidentais não conseguiram prever que, em vez do triunfo do Ocidente, os anos 90 veriam o fim do domínio da História pelo Ocidente (mas não o fim do Ocidente) e o retorno da Ásia.

É indubitável que o Ocidente contribuiu para o retorno da Ásia. Diversas sociedades asiáticas prosperaram, pois finalmente compreenderam e adotaram os sete pilares da sabedoria ocidental - economia de livre mercado, ciência e tecnologia, meritocracia, pragmatismo, cultura da paz, estado de direito e educação. Observe o que ficou fora dessa lista: o liberalismo político ocidental.

O que as mentes ocidentais entenderam, depois de ler o ensaio de Fukuyama, foi que o mundo ficou mais "ocidentalizado". Mas ocorreu exatamente o oposto. A modernização espalhou-se pelo mundo - foi acompanhada de uma "des-ocidentalização" e não de uma "ocidentalização". Hoje, Fukuyama reconhece isso. Como disse numa entrevista recente, "a antiga versão da ideia da modernização era eurocêntrica, refletindo o próprio desenvolvimento da Europa. Tinha atributos que procuravam definir a modernização de modo muito limitado".

Na mesma entrevista, Fukuyama estava certo ao enfatizar que os três componentes da modernização política são a criação de um Estado eficiente que consiga fazer respeitar as normas, o estado de direito que obriga o soberano, e a responsabilidade. De fato, essas são características próprias da modernização política que muitos países da Ásia aspiram.

Os asiáticos concordam que nenhum Estado pode funcionar ou se desenvolver sem um governo eficaz. Nós nos sentimos particularmente vingados nesse aspecto depois da recente crise financeira. Uma razão de os EUA estarem em tamanha dificuldade é a noção - arraigada nas mentes de influentes políticos americanos - de que Ronald Reagan estava certo ao dizer que "o governo não é a solução para nossos problemas; o governo é o problema". Felizmente, os asiáticos não se deixaram enganar por essa ideologia. Consequentemente, no século 21, a História deve seguir na direção exatamente oposta do previsto pelos intelectuais ocidentais em 1991.

Eles imaginavam que o fim da História seria igual ao triunfo do Ocidente. Em vez disso, vemos hoje que o retorno da História é igual ao retrocesso do Ocidente. Um prognóstico que posso fazer com confiança é que a marca do Ocidente no mundo, que cresceu enormemente nos séculos 19 e 20, vai retroceder significativamente no século 21.

Isso não significará um retrocesso de todas as ideias ocidentais. Na verdade, muitas noções fundamentais, como economia de livre mercado e estado de direito, serão adotadas de modo mais amplo.

Mas poucos asiáticos acreditarão que as sociedades ocidentais são melhores na adoção de tais ideias. E, na verdade, a noção de uma competência ocidental em termos de governança e administração será substituída pela percepção de que o Ocidente ficou incapaz de gerir suas economias. Uma nova fissura se desenvolverá. O respeito pelas ideias ocidentais continuará, mas o respeito pelas práticas ocidentais diminuirá, a menos que o desempenho ocidental em matéria de governança melhore novamente.

Kishore Mahbubani é decano da Escola de Política Pública Lee Kuan Yew, na Universidade Nacional de Cingapura