Título: Desconfiança marca a relação EUA-China
Autor: Trevisan, Claudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/11/2009, Internacional, p. A16

Diálogo entre os dois países está em seu melhor momento, mas questão militar ainda causa desentendimentos entre Pequim e Washington

A relação bilateral entre EUA e China passa por um dos melhores momentos da história, mas Washington e Pequim continuam a nutrir uma profunda desconfiança um pelo outro - principalmente no que diz respeito à questão militar. Os dois países estiveram em campos opostos durante grande parte da Guerra Fria e se enfrentaram na Guerra da Coreia (1950-1953), quando 1 milhão de chineses morreram.

Os americanos criticam a falta de transparência de Pequim no processo de expansão e modernização de seu Exército e afirmam que ele poderá desestabilizar a região Ásia-Pacífico. A presença militar dos EUA na Coreia do Sul e no Japão, vizinhos da China, e sua aliança com vários dos países asiáticos são vistas com preocupação por Pequim, que teme a ação americana para evitar a ascensão chinesa no tabuleiro do poder global.

Os chineses também não aceitam o apoio dos EUA a Taiwan e pedem que Washington deixe de vender armas à ilha, onde os nacionalistas chineses se refugiaram depois da derrota na guerra civil, em 1949.

"O maior desafio desse relacionamento é lidar com o problema da desconfiança recíproca", afirmou Stapleton Roy, diretor do Instituto Kissinger na China, durante um debate no Brookings Institution, em Washington, realizado no dia 6.

GARANTIA

Do lado chinês, o desconforto cresceu depois que o vice-secretário de Estado americano, James Steinberg, afirmou em setembro que a China deveria dar ao mundo uma "garantia estratégica" em seu processo de ascensão.

"Garantia estratégica se baseia em uma central, ainda que tácita, barganha. Da mesma maneira que nós e nossos aliados devemos deixar claro que estamos preparados para dar boas-vindas à chegada da China como uma próspera e bem-sucedida potência, Pequim deve assegurar que seu desenvolvimento não ocorrerá em detrimento da segurança e do bem-estar dos outros", disse Steinberg, em discurso proferido no Center for a New American Security.

Desde então, os chineses se perguntam se essa é a nova linha da política externa dos EUA em relação a seu país, em substituição à que foi elaborada pelo antecessor de Steinberg, Robert Zoellick, que pregava a necessidade de a China ser um "participante responsável" da comunidade internacional.

"Os chineses têm paixão pelo que eu chamo de diplomacia de slogans", observou David Shambaugh, diretor do programa sobre política chinesa da Universidade George Washington e professor da Academia Chinesa de Ciências Sociais. "Eles estão perplexos e tentando entender o que isso significa."

De acordo com Stapleton Roy, do Instituto Kissinger, o desconforto chinês é ainda maior pelo fato de Steinberg não ter feito menção à necessidade de garantia estratégica dos EUA em relação à China.

"É certamente razoável para os EUA e outros países se preocuparem com o impacto da crescente riqueza e poder da China sobre seus respectivos interesses", disse Roy. "Mas é igualmente razoável a China se preocupar com a possibilidade de os EUA, sozinhos ou em articulação com outros países, concluírem que a ascensão da China é prejudicial aos nossos interesses e adotarem medidas destinadas a inibir o crescimento chinês", afirmou Roy.