Título: Brecha para novos municípios
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2009, Notas e informações, p. A3
Os congressistas sabem que o período que antecede as eleições é a ocasião mais adequada para agradar a políticos estaduais e municipais, dos quais dependem para renovar seus mandatos. Por isso, uma proposta de emenda à Constituição em tramitação há seis anos no Senado e que retira da esfera federal a competência para decidir sobre a criação de municípios, transferindo-a totalmente para os Estados, agora parece encontrar as condições propícias para avançar com rapidez.
A proposta agrada aos deputados estaduais, pois restabelece o pleno poder das Assembleias Legislativas para aprovar a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios. Agrada também aos políticos interessados em ampliar o número de prefeitos ou vereadores, com o surgimento de novos municípios.
Apresentada em 2003 pelo senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS), a proposta modifica o artigo 18 da Constituição. O parecer do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que recomenda sua aprovação com algumas mudanças, está pronto para ser votado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. Dali, a proposta seguirá para o plenário.
O art. 18 vigora com o texto dado pela Emenda Constitucional nº 15, aprovada em 1996. A emenda manteve com os Estados a prerrogativa de criação de municípios, mas limitou fortemente a possibilidade de criá-los. Além disso, como a lei complementar que deverá regulamentar o art. 18 ainda não foi aprovada - há um projeto em tramitação na Câmara -, a criação de municípios está suspensa desde 1996.
A limitação era indispensável para interromper a farra da criação de municípios que se seguiu à promulgação da Constituição. Entre 1988 e 1996, surgiram 1.388 municípios, como mostrou reportagem publicada terça-feira pelo Estado. Um problema fiscal já sério - a incapacidade da maioria das prefeituras de obter receita própria suficiente para sustentar os gastos com a máquina administrativa e com os serviços públicos essenciais à comunidade - se agravou com o aumento indiscriminado do número de municípios.
Estudos do geógrafo e economista François Bremaeker, que tem vários trabalhos publicados sobre o tema, constataram que, em 81% dos casos, o Fundo de Participação dos Municípios é a principal fonte de receita das prefeituras. Em mais de 70% dos 5.562 municípios, a cobrança de impostos tipicamente municipais - como o IPTU e o ISS - não responde nem por 5% da receita. Todo o resto vem de transferências compulsórias ou voluntárias da União e dos Estados.
Em estudo que enviou ao senador Eduardo Azeredo, a Secretaria do Tesouro Nacional observou que a criação indiscriminada de municípios tende a aumentar o número de microcidades (com população inferior a 5 mil habitantes) sem capacidade de gerar recursos próprios e, por isso, dependentes de transferências federais ou estaduais e de serviços oferecidos por municípios maiores. Quanto maior o número de municípios, menor a fatia que cabe a cada um do Fundo de Participação dos Municípios, por isso todos perdem com a proliferação.
O texto de Azeredo mantém a proposta original de Zambiasi - que elimina a necessidade de aprovação de lei complementar federal para a criação de novos municípios e restringe a consulta prévia, mediante plebiscito, à população da área que pretende emancipar-se (o texto em vigor exige que sejam consultadas "as populações dos municípios envolvidos") -, mas estabelece condições mínimas para a criação de novo município.
Entre essas condições estão a comprovação de área mínima de 200 quilômetros quadrados e a apresentação de estudos de viabilidade que comprovem população não inferior a 5 mil habitantes nas Regiões Norte e Centro-Oeste e a 6 mil nas demais regiões e distância mínima de 10 quilômetros da sede urbana do município de origem. O relator acrescentou ainda o limite para a remuneração dos vereadores dos novos municípios, que não deve ser superior a 2% do que ganham os deputados estaduais.
São exigências que tornam a criação de municípios mais difícil do que pelas regras aprovadas em 1988. Mas permanece o problema dos municípios que não têm condições estruturais de existência e são totalmente dependentes dos Estados e da União.