Título: Surrupio de dinheiro público
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/11/2009, Notas e informações, p. A3
Na segunda-feira o Ministério Público denunciou, por furto qualificado, os sem-terra Ivanildo Cosmo de Oliveira e José Alves de Lima Neto, que participaram, em setembro, da invasão da Fazenda Santo Henrique, da Cutrale. Os dois estão presos desde 6 de outubro, quando foram flagrados tentando vender mercadorias roubadas durante a invasão. Não se pense que é alguma novidade a tentativa de obrigar os militantes ou "combatentes" desses ditos movimentos sociais, como o Movimento dos Sem-Terra (MST), a responder perante a Justiça por suas ações contra a lei. Desde que opera - embora sem existência legal, pois assim se julga livre de prestar contas do dinheiro público que recebe - o MST tem tido muitas centenas de militantes respondendo a processos na Justiça. Raríssimas são, no entanto, as condenações que resultam em efetivo cumprimento de penas.
Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou o petista Bruno Maranhão - que ficou conhecido por ter comandado 500 sem-terra na invasão e depredação da Câmara dos Deputados, em junho de 2006 - a devolver R$ 2,2 milhões aos cofres públicos. Esse dinheiro fora repassado, há quatro anos, pelo governo federal à Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (Anara), dirigida pelo militante petista. Só que não se sabe para onde foi o recurso público. "É isso o que queremos saber: onde foi parar esse dinheiro", disse Marinus Marsico, representante do Ministério Público no TCU. Segundo o tribunal, o valor corrigido chega hoje a R$ 3,6 milhões. A entidade deveria ter usado esse recurso para capacitar 7 mil famílias, realizar 36 cursos de formação, 114 oficinas e encontros regionais e nacionais, entre outras atividades. Nada disso, no entanto, foi comprovado, de acordo com a auditoria do TCU. "Não há comprovação da boa e regular aplicação dos recursos", dizem os ministros do tribunal, em sua decisão.
A associação dirigida por Bruno Maranhão esconde, entre outras coisas, os extratos da conta bancária do convênio e os documentos das licitações que teriam sido feitas. A suspeita do TCU é de que a entidade, ligada ao Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), tenha usado a verba para organizar a invasão dos 500 militantes à Câmara dos Deputados, que causou um prejuízo de R$ 150 mil ao Congresso. Seria dinheiro público financiando a depredação de bens púbicos! O convênio da Anara foi celebrado - como não poderia deixar de ser - com o Incra. O mais incrível é que em março de 2006 - portanto, cerca de três meses antes de receber os mencionados R$ 2,2 milhões - a Anara já havia sido condenada a restituir R$ 3,3 milhões, referentes a outros convênios que jamais saíram do papel!
Na verdade, os auditores do TCU constataram uma esbórnia com dinheiro público ainda mais generalizada: em todos os convênios da Anara com o Incra, nos últimos cinco anos, a entidade apresentou recibos e notas fiscais sem qualquer ligação com os projetos e transferiu recursos a 80 pessoas físicas sem justificativas. "Não há informações que vinculem os pagamentos realizados a quaisquer despesas, tampouco há documentação que comprove despesas em nome das pessoas", dizem os auditores. A Anara não entregou, por exemplo, documentos que comprovem a realização de licitações para a escolha de fornecedores. E a investigação do TCU mostra que a entidade fez saques no valor total de R$ 1,1 milhão, com cheques avulsos.
Para variar, nesse "jogo de empurra" geral que hoje se faz "como nunca antes na história deste país", o Incra informa que tem ajudado o TCU nas investigações, e até tem tomado a iniciativa de iniciar processos quando suspeita de irregularidades cometidas por entidades ligadas aos sem-terra, mas atribui inteira responsabilidade pelos desvios às próprias entidades que os desviaram - sem se dar conta de que o poder público tem a obrigação de fiscalizar a aplicação das verbas públicas e de avaliar a idoneidade pregressa das entidades que subsidia.
E assim os ditos "movimentos sociais" vão causando prejuízos à sociedade brasileira: o primeiro decorre de suas ações fora da lei, como os esbulhos e depredações, e o segundo diz respeito ao surrupio do dinheiro público. De quebra, desmoralizam as instituições do Estado, que os financiam.