Título: EUA indicam papanicolau só a partir dos 21 anos
Autor: Leite, Fabiane ; Gonçalves, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/11/2009, Vida&, p. A22

Colégio Americano de Ginecologistas recomenda que exame seja feito a cada 2 anos; no Brasil, médicos dizem que indicação depende de vida sexual

O Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras recomendou que o exame papanicolau - que rastreia câncer de colo de útero - seja realizado a partir dos 21 anos. A frequência, que era muitas vezes anual nos Estados Unidos, também deve ser reduzida. De acordo com os especialistas do colégio, a realização precoce e rotineira do procedimento pode levar a intervenções desnecessárias para investigar lesões e prejudicar futuras gestações.

A orientação, divulgada na mesma semana em que outro grupo de médicos americanos sugeriu adiar o início a mamografia preventiva dos 40 para os 50 anos, colocou mais combustível no debate sobre acesso a exames e tratamentos nos EUA. O governo tenta reformar o sistema de saúde do país.

No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) recomenda o exame anual após o início da vida sexual e especialmente na faixa dos 25 aos 59 anos. Mas não há impedimento para médicos do sistema público de saúde ou do setor privado requisitarem exames antes dessa idade, se acharem necessário.

"Depende das particularidades de cada mulher. Se ela tem risco maior para esse tipo de câncer, como relações sexuais desprotegidas a partir dos 15 anos, o papanicolau tem de ser antecipado. Ninguém vai esperar seis anos", afirma o ginecologista Edmund Baracat, professor titular da Unifesp.

Para Paulo Levy Schivartche, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), discussões como a que ocorre em torno do papanicolau costumam surgir toda vez que um sistema de saúde está em debate. "É uma preparação para economizar recursos", aponta o médico.

Ele afirma que, a princípio, não há problema em realizar o exame a cada dois anos. "Doenças de colo de útero costumam demorar uma década para se estabelecer." Mas pondera que não há qualquer contraindicação para o exame.

Segundo o Inca, as baixas condições socioeconômicas, o início precoce da atividade sexual, a multiplicidade de parceiros, o tabagismo, a higiene íntima inadequada e o uso prolongado de contraceptivos orais são os principais fatores de risco para o câncer de colo de útero. Estudos mostram que o vírus do papiloma humano (HPV) está presente em mais de 90% dos casos. A doença é a principal causa de morte por câncer em países em desenvolvimento.

Dados do Inca mostram que o desafio no Brasil é garantir o acesso mínimo ao exame. Entre 1979 e 2005, as taxas de mortalidade pelo câncer de colo de útero aumentaram 6%, atingindo hoje 5,2 mortes para cada 100 mil mulheres. Em 2003, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que em 851 municípios a cobertura do exame foi de 69% nas mulheres com mais de 24 anos, enquanto a Organização Mundial da Saúde recomenda que seja de 80%, entre 35 e 59 anos.

QUALIDADE

A qualidade dos exames é outro problema. O Inca aponta que apenas seis Estados e o Distrito Federal apresentam 100% dos municípios com taxas de exames insatisfatórios menores do que 5%, padrão mínimo de qualidade da OMS. Outra pesquisa do Inca mostrou que, em 89 hospitais, 45% das mulheres eram diagnosticadas quando a doença já estava avançada.

Segundo Cheryl Iglesia, que presidiu o painel de ginecologistas que reavaliaram o papanicolau nos EUA, mulheres jovens são especialmente propensas a desenvolver anormalidades no colo do útero que parecem ser lesões pré-cancerosas, mas que desaparecem sozinhas.

Porém, destacou a especialista, quando o papanicolau aponta precocemente essas lesões, os médicos geralmente as removem por meio de procedimentos que podem ferir o colo do útero e causar problemas em futuras gravidezes, como prematuridade e maior necessidade de cesáreas.

As recomendações dos Estados Unidos orientam ainda mulheres com 30 anos ou mais, que têm três exames negativos para câncer e nenhum histórico de anormalidades, a fazer o papanicolau a cada três anos, o que se aproxima das regras já adotadas no Brasil.

"Concordo com os americanos e sua aproximação do Brasil. Antes eles sugeriam avaliar até quem não tinha começado a vida sexual", afirma Agnaldo Lopes da Silva Filho, professor adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Minas Gerais.