Título: O governo acertou ao receber Ahmadinejad no País?
Autor: Mello, Patrícia Campos ; Monteiro, Tânia
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/11/2009, Nacional, p. A10

SIM: Williams Magalhães

Os protestos promovidos por grupos de pressão contrários à visita do presidente do Irã ao Brasil fazem parte da vida política segundo princípios democráticos. Todos têm o direito de externar suas opiniões e fazer proselitismo de suas opções. Isso acontece em toda parte onde há respeito pela liberdade, sob os mais variados pretextos.

O que não pode acontecer é os elaboradores e executores da política externa do país tomarem decisões para satisfazer a vontade dos grupos de pressão, e seus interesses. Aos judeus interessa defender os interesses de Israel e aos homossexuais defender a liberdade de escolha da orientação sexual. Nada mais lhes diz respeito se conseguem fazer com que esses interesses sejam levados em conta. Ora, os responsáveis pela formulação e execução da política externa do país devem zelar pelos interesses do conjunto da sociedade brasileira. Por isso, devem usar outros critérios para tomar decisões.

O início das relações diplomáticas do Brasil com o Irã data de 1903, a mais antiga que mantém na região. Essas relações conservaram-se a despeito das mudanças ocorridas nos dois países ao longo do tempo.

Na atual conjuntura de reestruturação da ordem internacional, decorrente da crise sobre as economias mais desenvolvidas, Brasil e Irã - não obstante suas culturas distintas e a distância geográfica - percebem a evolução do sistema internacional de poder de maneira parecida. Ambos defendem a sua desconcentração e a consequente democratização das relações internacionais como condições externas na luta que travam em favor do desenvolvimento econômico-social.

Ao receber a visita de Ahmadinejad, Lula age, portanto, de maneira perfeitamente consistente com a política externa brasileira de intensificar as relações com países em desenvolvimento, buscando alternativas econômicas e reforçando laços políticos. A projeção internacional do Brasil que personalidades políticas internacionais reconhecem resulta da capacidade de liderar da nossa diplomacia, que forma consensos e promove a integração regional.

Os grupos de pressão em seu natural egoísmo não se incomodam em pregar o amesquinhamento do Brasil como ator político internacional. Sua lealdade a interesses restritos não os permite perceber que a luta do Irã pelo direito ao uso pacífico da energia nuclear nos interessa diretamente, pois a pressão exercida pelas grandes potências contra aquele país pode ser dirigida também contra o nosso. A diplomacia brasileira tem o dever de rejeitar a ideia de que representa um país de segunda classe, cujo papel é obedecer docilmente o que lhe é determinado pelos poderosos.

Por assim entender, a diplomacia deve se esforçar politicamente para conquistar apoio para a reforma da ONU e se apresentar como mediadora válida de conflitos em que países amigos se acham envolvidos. Nesse sentido, a recepção oferecida por Lula ao presidente iraniano constitui inequívoca demonstração dessa autonomia decisória e dessa altivez que a sociedade espera de seus representantes.

* Doutor em sociologia e professor de relações internacionais da UERJ

NÃO: Celso Lafer *

A ação diplomática busca traduzir as necessidades internas de um país em possibilidades externas. É um empenho de natureza política que combina persuasão e pressão voltadas para sublinhar o que um Estado representa para outros e para o mundo no campo da paz e da guerra, no das relações econômicas e no dos valores. No mundo contemporâneo, a diplomacia presidencial adquiriu relevância crescente. Configura uma institucionalização do espaço público da vida internacional e realça o papel da representação simbólica. Esta exprime e articula o que um país significa para os demais numa dada conjuntura internacional. É neste contexto que cabe avaliar a visita do presidente Ahmadinejad do Irã ao Brasil.

A Constituição de 1988 estabelece, no seu art. 4º, os princípios que devem reger as relações internacionais no Brasil. Entre eles, o da prevalência dos direitos humanos, a defesa da paz, a solução pacífica de conflitos e o repúdio ao terrorismo e ao racismo. O presidente do Irã exprime uma visão do mundo que se contrapõe frontalmente a estes princípios. Recusa os direitos humanos, não promove a defesa da paz nem a solução pacífica de conflitos (e a contestação à existência de Israel é disso um exemplo); apoia e financia o terrorismo no Oriente Médio, denega a existência do Holocausto, que é uma expressão de racismo. Ele é, assim, um símbolo negativo de tudo o que preceitua a Constituição brasileira. Esta é a primeira razão pela qual, não tendo sido efetivamente cobrada pelo presidente Lula nesta matéria, a sua visita ao Brasil é um erro jurídico e um equívoco da diplomacia brasileira. Nada tem a ver com as recentes visitas do presidente de Israel, Shimon Peres, e do presidente da Autoridade Palestina, M. Abbas, que são lideranças em prol da paz, em consonância com os princípios constitucionais brasileiros.

"Diga-me com quem andas, dir-te-ei quem és" diz o provérbio com sabedoria. O Brasil pleiteia a condição de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O Irã foi sancionado pelo Conselho de Segurança e vem suscitando tensões internacionais, por conta do seu programa nuclear cuja dimensão militar parece clara. Seja em função da sua Constituição, seja em função dos compromissos jurídicos que assumiu no plano internacional, o Brasil é um firme defensor do uso da energia nuclear para fins pacíficos. A companhia do presidente do Irã não favorece a nossa posição internacional nesta matéria, nem o seu apoio ajuda a respeitabilidade do nosso pleito a um assento permanente no Conselho de Segurança. Esta é mais uma razão pela qual a sua visita foi um equívoco. Interesses econômicos e comerciais do Brasil com o Irã podem ser articulados sem uma visita presidencial que só confere legitimidade a quem não a merece.

* Professor de direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, ex-ministro das Relações Exteriores de FHC