Título: Crise econômica reforça repressão
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/11/2009, Internacional, p. A11

Regime teme falta de alimentos e desiste de reformas, diz dissidente

O dissidente Dagoberto Valdés é um exemplo de como a repressão política continua pairando sobre os cubanos. O temor é tão presente que, quando a reportagem chegou à sua casa, uma pessoa da família que atendeu insistiu que aquela não era a residência do dissidente - temia que o repórter fosse um policial. Pouco depois, enquanto a entrevista era feita, Valdés mandou um assistente vigiar a porta.

"A verdade está sepultada em Cuba", afirmou Valdés. "O sistema já afundou e todos estão vendo isso. O que se vê nos discursos e na imprensa oficial é a "Cuba virtual". A "Cuba real" é a da opressão, da falta de condições e ameaças", emendou Valdés, um religioso que publica e distribui de forma clandestina a revista Convivencia, que debate a situação em Cuba.

"A reforma econômica foi enterrada, com a desculpa de que o país vive uma crise", acrescenta. Na população, o sentimento é de ambiguidade. Muitos estão cansados de viver essa situação e querem liberdade. Mas temem perder as garantias de acesso à escola, saúde e alimentação.

O governo sabe que, se não mantiver a sociedade com acesso aos alimentos, corre o risco de ver uma proliferação de protestos. Por isso, coloca todo seu empenho em garantir comida, mesmo que tenha de cortar recursos de outras partes do orçamento. Ainda assim, na cesta de produtos básicos que são vendidos por um preço mínimo, alguns itens - como legumes - começam a ser retirados da "libreta de abastecimiento".

ALIMENTOS CAROS

Em uma mercado popular de Havana, o administrador local admite que não sabe se a "libreta" vai durar muito tempo. Parte do problema é que os alimentos explodiram de preço nos últimos dois anos e Cuba importa 80% de tudo o que consome. "Cerca de 70% vêm dos Estados Unidos, ou seja do inimigo", afirmou Marcio Porto, chefe da FAO em Havana. De 2007 para 2009, Cuba foi obrigada a gastar US$ 800 milhões a mais para importar o mesmo volume de alimentos.

Já no campo, o próprio governo admite problemas. A produção agrícola sofrerá queda de 7,7% em 2009. Metade das terras aráveis está abandonada.

Cuba convocou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para ajudar. A empresa desembarcou há poucos meses para um teste com 18 variedades de soja que seriam plantadas em áreas do Ministério da Defesa, o que demonstra a importância estratégica da soberania alimentar para Cuba.

Outra medida é a eliminação dos "comedores obreros", espécie de bandejão oferecido nas empresas. No total, são 24 mil "comedores" que atendem a 3,5 milhões de pessoas. O problema é que custam ao Estado US$ 350 milhões por ano apenas em alimentos básicos. No mês passado, quatro "comedores" foram fechados sob a alegação de que os funcionários roubavam alimentos que seriam servidos aos trabalhadores.