Título: A eleição no PT e a de 2010
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2009, Notas e informações, p. A3

Eleito por ampla maioria para assumir a presidência do PT em fevereiro próximo, o ex-senador por Sergipe e ex-presidente da Petrobrás José Eduardo Dutra começou ontem mesmo a conversar com as caciquías do PMDB a fim de preparar o terreno para a coligação eleitoral em torno da candidatura da ministra Dilma Rousseff. É o "projeto nacional" em que o presidente Lula vem se empenhando desde a primeira hora e pelo qual já deixou claro que paga qualquer preço - como o apoio incondicional ao oligarca José Sarney na crise do Senado. A meta de Lula esbarra na resistência petista em Estados críticos, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, a abrir mão de candidatos próprios aos governos locais, para acomodar o voraz aliado.

Domingo, quando foi votar na eleição interna do seu partido, ao lado de Dilma, Lula pareceu se resignar à eventualidade de PT e PMDB competirem no plano estadual, desde que se unam no apoio à sua candidata. "Não tenho mais ilusão quando se trata das disputas locais", disse. "O importante é que se houver divergência na base aliada nos Estados, isso não seja impeditivo para a ministra Dilma ter dois ou mais candidatos." Mas é ilusório imaginar que o presidente de facto do PT tenha jogado a toalha, como entendeu o protocandidato da legenda ao governo do Rio, Lindberg Farias. "Acho que caiu a ficha", festejou. Na realidade, o que Lula fez foi repreender duramente os companheiros insubmissos.

"Por mais que a gente oriente as pessoas que o que deve prevalecer é um projeto nacional, normalmente o que tem acontecido é que cada um olha para o seu umbigo e prevalecem as questões dos Estados", criticou. Prevalecem porque, na Federação brasileira, o patrimônio político dos partidos se constrói com os votos obtidos na esfera estadual. Já o PT se ergueu sobre o carisma da figura do seu presidenciável perpétuo Lula da Silva. Sem ele, a sua estratégia para se tornar uma força política no País dificilmente vingaria. A ausência do seu nome na tela das urnas eletrônicas de 2010, pela primeira vez, decerto incentiva voos próprios petistas em Estados onde a sigla é competitiva (o que, por sinal, não é o caso do Rio), rivalizando com o PMDB.

Mas o fato novo não priva o mais popular dos presidentes brasileiros da liderança, influência e dos instrumentos de pressão para enquadrar uma parcela provavelmente substancial dos que contemplam antes o próprio umbigo do que o imperativo categórico de adquirir a adesão maciça do PMDB a Dilma Rousseff. Esse é o inescapável ponto de partida para a análise do processo eleitoral petista e para eventuais prognósticos sobre a conduta da agremiação que deve praticamente tudo ao seu primeiro-companheiro - cujo projeto aliancista, aliás, prevaleceu em 16 dos Estados onde os novos diretórios foram eleitos em primeiro turno. O vitorioso José Eduardo Dutra, endossado por Lula, foi lançado pelo "centrão" do partido, a facção hegemônica Construindo um Novo Brasil, fidelíssima ao presidente, oriunda do antigo Campo Majoritário organizado por José Dirceu.

Principal operador de Lula, primeiro no partido, depois no governo, ele tem dedicado boa parte do seu tempo literalmente valioso articulando a união PT-PMDB por Dilma. Eleito para as instâncias dirigentes da legenda na chapa vencedora, passará a ter uma "atuação institucional" nesse sentido, antecipa Dutra, para assegurar a primazia da estratégia nacional sobre a lógica regional, como diz. Dirceu amargou um período de ostracismo institucional na sigla por causa do escândalo do mensalão que também o fez perder a Casa Civil e o mandato parlamentar. Mas o passado passa depressa no PT. Além dele, três outros envolvidos no caso, os deputados José Genoino, José Mentor e João Paulo Cunha - e ainda José Nobre Guimarães, o dos dólares na cueca -, encorpavam a chapa dominante.

Ao reabilitá-los, o partido como que se antecipou ao veredicto do Supremo Tribunal Federal, onde respondem a processo. Nada a estranhar. O mensalão, decretou Lula, nem mais "erro" foi. Semanas atrás, numa entrevista, ele afirmou que a documentada compra de votos no Congresso, que abalou o seu primeiro mandato, foi "uma tentativa de golpe", "a maior armação já feita contra um governo". Era o que faltava para o PT "parar de ficar ajoelhado no milho", como diria a ex-prefeita Marta Suplicy.