Título: Sem explicar o apagão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2009, Notas e informações, p. A3
Ao afirmar que "se aconteceu uma vez, quer dizer que pode se repetir", o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, admitiu que o sistema elétrico brasileiro não está livre de novos apagões, embora o risco "seja remoto". Enquanto isso, continua sem explicações o colapso de 10 de novembro, embora não tenham faltado sugestões sobre o que é necessário fazer para aprimorar o modelo elétrico do País.
O diretor-geral do ONS é um profundo conhecedor do sistema, mas preferiu declarar ao Estado que não sabe nem fará especulações sobre quais foram as verdadeiras causas do apagão que provocou prejuízos para a produção e a queima de milhares de aparelhos elétricos e eletrônicos.
O que sabe, e foi repetido na entrevista, é que três curtos-circuitos quase simultâneos desligaram as linhas que transportam a energia de Itaipu, a maior fornecedora de eletricidade para São Paulo e os principais polos econômicos. Mas não são conhecidas as causas dos curtos-circuitos.
Um relatório está para ser apresentado por um grupo que assessora o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mas, segundo reportagem do Estado de segunda-feira, o Ministério de Minas e Energia só o divulgará no dia 16 de dezembro.
O argumento central do ONS é que o sistema elétrico não será reforçado para evitar novos apagões, pois isto corresponderia a "fazer praticamente um sistema redundante", o que "é antieconômico".
As explicações fornecidas pelo ONS são de caráter técnico. Por exemplo, a de que se repetiu, há pouco, uma situação descrita como "colapso de tensão", semelhante à que ocorreu nos blecautes de 1999 e 2002, "quando a tensão vai a zero ou quase zero". Nesses casos, resta ao ONS definir parâmetros para evitar a ocorrência do evento, além de adotar medidas que evitem o efeito dominó - o apagão geral - se o evento for inevitável. E, ainda, preparar-se para reduzir o tempo de recomposição do sistema. A questão central está na necessidade de "ilhamento" - ou seja, de preservar o fornecimento de eletricidade para outras regiões, em caso de colapso em uma delas. A França, por exemplo, fez o "ilhamento" definindo especificamente o local onde devem ser instaladas as geradoras de eletricidade, que receberam estímulos financeiros para se instalar na área determinada. O objetivo dessa política é evitar que um colapso localizado seja capaz de atingir vastas regiões, como ocorreu com Itaipu.
O "ilhamento" nesses moldes significaria uma mudança nas prioridades da política energética brasileira, que hoje se baseia no aproveitamento do potencial de áreas hídricas, ainda que muito distantes dos centros econômicos, como as Usinas do Rio Madeira e a de Belo Monte.
Chipp procurou atenuar a importância das obras de reforço na segurança da rede de transmissão, enfatizando que é antieconômico investir para evitar esse "tipo de contingência". Esse raciocínio, afirmou, vale não só para o Brasil, mas também para países desenvolvidos da Europa e da Ásia.
Mas o próprio ONS, no Estudo de Curto-Circuito enviado em abril à Aneel, aponta a falta de investimentos na conservação da rede. Centenas de disjuntores, cuja função é proteger a instalação elétrica de sobrecargas de energia, estão superados e já deveriam ter sido substituídos, enquanto outros estão próximos da obsolescência, segundo reportagem de Renée Pereira, no Estado de sábado. No total de disjuntores pesquisados, 48% estão superados ou em vias de superação. Em apresentação feita, há cinco meses, no Encontro ONS/Agentes, o diretor-geral do ONS afirmou que "a substituição dos equipamentos superados estava ocorrendo em prazo incompatível com a entrada em operação das novas obras da rede, comprometendo os benefícios que seriam proporcionados pelas novas instalações". Mas esta, disse agora, não teria sido a causa do apagão de Itaipu.
Os sistemas elétricos precisam de manutenção e investimentos regulares, sobretudo quando a geração de energia ocorre em locais tão distantes dos centros consumidores.