Título: Estímulos fiscais desnecessários
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/11/2009, Notas e informações, p. A3

Nenhuma das explicações do governo para a prorrogação, até 31 de março de 2010, da redução do IPI para carros bicombustíveis com até 2 mil centímetros cúbicos (cc) de cilindrada com o objetivo de estimular suas vendas justifica satisfatoriamente a medida, seja do ponto de vista econômico, social ou ambiental.

Se procedente a argumentação oficial ? de que, com a prorrogação do corte do IPI, o que se procura é "estimular o crescimento com responsabilidade ecológica", como disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega ?, no caso dos veículos a responsabilidade ambiental tem prazo de validade. Termina em março do ano que vem. A partir de abril, quando não mais estará em vigor o estímulo tributário, não haverá mais motivo para se preocupar com os eventuais danos ambientais causados pelos veículos?

Além disso, com a alta do álcool, a vantagem econômica desse combustível sobre a gasolina diminuiu muito e, em muitos Estados, desapareceu, razão pela qual os proprietários de veículos flex estão preferindo colocar gasolina no tanque ? o que anula a justificativa do governo na prática, se em tese ela fosse procedente.

Quanto a "estimular o crescimento", de que estímulos adicionais precisa um setor que, já tendo recebido forte apoio oficial, pode bater este ano o recorde de vendas no mercado interno e só não estabelecerá novo recorde de produção porque o mercado externo ? sem estímulos como os concedidos pelo governo brasileiro ? continua ruim? Se, como prevê o governo, a economia brasileira crescer 5% em 2010, a indústria automobilística crescerá também, e talvez até em ritmo mais acelerado se as exportações aumentarem.

Observe-se que, apesar dos resultados surpreendentes de 2009, a indústria automobilística emprega agora 7,5% menos trabalhadores do que empregava no ano passado. Neste mês, como mostrou reportagem de Cleide Silva publicada quarta-feira no Estado, ela está cancelando férias coletivas, aumentando as horas extras e até contratando ? serão mais de mil contratações em três delas ?, mas dificilmente o número de empregados alcançará o total registrado antes do início da crise no setor.

Como não há justificativas plausíveis de natureza macroeconômica, social ou ambiental para a medida, devem ser outras as razões que levaram o governo a estender até o fim de março do ano que vem a alíquota reduzida do IPI ? 3% para veículos bicombustíveis de até 1 mil cc de cilindrada e de 7,5% para os de mil a 2 mil cc de cilindrada.

Essa rigorosa classificação por cilindrada pode dar a impressão de que o benefício tributário é bastante limitado. Na verdade, ele atinge quase 90% dos veículos comercializados no País. Neste ano, do total de 2,49 milhões de unidades vendidas até outubro, 88,6% são bicombustíveis e 98,7% têm até 2 mil cc de cilindrada.

Em resumo, é beneficiada praticamente toda a produção de um setor com grande poder de pressão e com o qual o presidente Lula tem ligações políticas históricas. Por razões sentimentais ou quaisquer outras, o presidente mantém firmes essas relações desde o início do governo e até as fortalece, com benefícios e vantagens como o que acaba de conceder.

O ministro da Fazenda argumentou que a perda de arrecadação com a extensão da redução do IPI, estimada em R$ 1,3 bilhão, poderá ser "diluída" ao longo de 2010 por causa do aumento das vendas. Além disso, é preciso ressaltar que boa parte da conta será transferida para os Estados e municípios, que, por meio dos fundos de participação, têm direito a 57% da arrecadação do IPI. Mas, diante da notória deterioração da política fiscal do governo Lula ? demonstrada pela crescente dificuldade para alcançar as metas de superávit primário, apesar das manobras contábeis colocadas em práticas ?, por que incorrer em novas renúncias fiscais?

Igualmente difícil será justificar outras bondades que o governo está preparando, como o Vale-Cultura, cujo projeto tramita no Congresso em regime de urgência, ou a possível isenção tributária para baixar o preço do material escolar.

Mesmo porque, como todas essas medidas ? além da redução do IPI sobre móveis e da prorrogação da isenção sobre os materiais de construção, que acabam de ser anunciadas ? vão vigorar num ano eleitoral, pode-se imaginar quais são as reais intenções do governo.