Título: Luz e sombra na economia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2009, Notas e informações, p. A3

A recuperação global começou mais cedo que o previsto e só uns poucos países vão continuar em recessão em 2010, segundo as novas projeções da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube das economias industrializadas. Este é o lado positivo da avaliação. O lado negativo também é importante: o desemprego ainda crescerá em 2010, o crescimento será bem moderado e os governos deverão preparar-se para um ajuste severo, porque suas contas sairão da crise em estado muito precário. Em 2011, a dívida pública nos países mais avançados será pouco superior a 100% do Produto Interno Bruto, cerca de um terço acima do nível de 2007.

O Brasil aparece bem tanto no cenário da OCDE quanto na sondagem trimestral conduzida pela Fundação Getúlio Vargas em parceria com a organização alemã IFO. "Com exceção da Rússia, todos os Brics já estão em fase de "boom"", segundo a pesquisa. O Índice de Clima Econômico do Brasil chegou a 7,4 pontos, o mais alto da América Latina. Esse indicador, baseado em consultas a especialistas, mostra o grau de otimismo em relação à economia. Acima de 5 pontos o clima é considerado positivo.

Esse resultado era previsível para quem acompanhou nos últimos dois trimestres a reativação dos negócios no Brasil. Mas a projeção da OCDE - zero de crescimento em 2009 e 4,8% em 2010 - é acompanhada de uma advertência: o déficit fiscal, estimado em 2% do PIB neste ano, poderá chegar a 3,5% em 2010, provocando um aumento da dívida pública.

Há um consenso internacional em relação ao desempenho econômico do Brasil na crise. O País enfrentou bem a adversidade e foi um dos primeiros a retomar o crescimento. Mas especialistas, tanto do setor privado quanto de instituições multilaterais, também têm chamado a atenção para a piora das contas públicas. O alerta da OCDE confirma essa percepção.

Segundo a análise da OCDE, metade do aumento da dívida foi causada pela valorização do real. Como o País tem mais ativos do que dívidas em dólar, a depreciação da moeda americana diminuiu o valor dos créditos. A outra metade é atribuível a dois outros fatores, a concessão de estímulos fiscais e a expansão dos gastos públicos.

Os estímulos são temporários, mas os gastos ampliados foram principalmente os menos flexíveis, como os salariais. Este detalhe os analistas brasileiros em geral conhecem melhor que os seus colegas do exterior. A ampliação desse tipo de gastos aumenta a rigidez orçamentária, reduzindo a liberdade do governo. Essa rigidez continuará aumentando em 2010, porque a folha de salários continuará a crescer, assim como a despesa do sistema previdenciário.

O Brasil se tornará, portanto, mais vulnerável aos perigos do cenário pós-crise desenhado pelos economistas da OCDE - e de fato já esboçados, há alguns meses, pelos especialistas do FMI. Se os governos do mundo rico se atrasarem na arrumação de suas contas, a alta dos juros será maior do que poderia ser num cenário fiscal mais benigno, com efeitos negativos para todo o mundo.

O ajuste fiscal das economias mais avançadas deverá começar, segundo os economistas da OCDE, quando a recuperação estiver um pouco mais avançada. Por enquanto, a reativação dos negócios apenas começou nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Para os 30 países-membros da associação, a previsão de crescimento econômico em 2010 mais que dobrou, passando de 0,7% (estimativa de julho) para 1,9%. Para 2011 foi projetada uma expansão de 2,5%.

No mundo rico, a economia mais dinâmica será a dos EUA, com expansão de 2,5% em 2010, depois de uma contração de 2,5% neste ano. Mas a recuperação é frágil e o desemprego - 10,2% em outubro - ainda poderá crescer. Para a zona do euro, a projeção para 2010 foi revista de zero para 0,9% de crescimento, também com provável aumento do desemprego. Além disso, as condições dos bancos preocupam.

Diante dessas projeções, as autoridades brasileiras deveriam ser um pouco menos propensas à euforia, apesar das condições satisfatórias da economia nacional. O otimismo é bom, mas a cautela é indispensável, diante das perspectivas de uma recuperação global vagarosa e talvez acidentada.