Título: Autoestima entre índios é elevada
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2009, Nacional, p. A11

Uma das consequências, segundo presidente da Funai, é que Brasil está entrando na ""era do protagonismo indígena""

As obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na região amazônica, tais como hidrelétricas e rodovias, preocupam cada vez mais as comunidades indígenas e também os indigenistas. Eles temem os impactos ambientais e sociais que possam causar. Em entrevista ao Estado, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, disse que as preocupações são justas, uma vez que qualquer empreendimento na região acaba alterando a sua dinâmica ambiental, demográfica e econômica. Ao mesmo tempo, porém, ressalvou que em todos casos as comunidades têm sido ouvidas e os seus direitos, respeitados.

Empreendimentos do PAC que se estendem pela região amazônica afetam ou vão afetar comunidades indígenas. Como vê essa questão?

A maioria das obras - no PAC ou fora dele - não afeta diretamente as terras indígenas, porque não entra em suas terras. Mas passa perto delas e, de alguma forma, afeta indiretamente. Para todos os casos, existe uma legislação e regras sobre o que se pode fazer e o que não se pode em terra indígena. Também existe a legislação ambiental. As áreas indígenas são protegidas, o que torna obrigatórios os estudos de impacto ambiental. Quando uma obra atravessa a terra dos índios, eles têm de ser rigorosamente consultados. A Funai tem acompanhado e ouvido as populações indígenas em cada caso e assessorado as instituições de defesa ambiental.

A BR-317, que liga o sul do Amazonas ao Acre, atravessa duas terras indígenas.

Quando essa estrada foi aberta, durante o regime militar, essas terras ainda não tinham sido demarcadas. Foi na abertura da estrada que deram de cara com os índios que ali viviam, assim como aconteceu com a Transamazônica, a BR-369, a BR-364, a maior parte das estradas construídas naquele período. No caso da BR-317, trata-se agora do seu asfaltamento. Para isso, a Funai exigiu estudos sobre os pactos que podem surgir, consultas, reuniões e esclarecimentos às comunidades. Seguimos as regras, rigorosamente.

O sertanista José Carlos Meirelles tem manifestado preocupação com a construção de estradas, tais como as rodovias que se destinam a facilitar o acesso ao Pacífico, ao redor de áreas onde vivem índios isolados - ainda não contactados. Isso também o preocupa?

Todos os empreendimentos voltados para a Amazônia são preocupantes, porque, de alguma maneira, levam mais gente para a região, aumentam a pressão demográfica, econômica, logística, ambiental. É mais pressão sobre os índios e a floresta. Por isso criamos no Brasil os remédios, para que esses fenômenos possam ser corretamente avaliados e mitigados. O impacto do empreendimento deve ser controlado. Quando isso não for possível, deve ser deixado de lado. O Brasil avançou muito nessa área. Desde a Constituição de 1988, as obras de infraestrutura não são mais levadas adiante à revelia dos índios e da questão ambiental. É muito diferente dos anos da ditadura militar, quando não se consultava ninguém, quando se cometiam atrocidades imensas.

Os índios também ficaram mais organizados.

Sem dúvida. Assim como ocorre entre os afrodescendentes, a autoestima entre os índios é cada vez mais elevada. Uma das consequências disso é que estamos entrando na era do protagonismo indígena. Hoje eles têm candidatos a prefeito e a vereador nas áreas em que vivem. Em 2010 disputarão cadeiras de deputados estaduais e federais. Também ocupam cargos importantes na administração pública, enviam os filhos para as universidades e tornam suas organizações cada vez mais fortes. Com o aumento da autoestima, os filhos também valorizam mais as tradições culturais - usando para isso tecnologias digitais, como computadores, câmeras, vídeos, filmes. Num processo inverso ao que ocorria no passado, quando os índios tinham vergonha de assumir que eram índios, é cada vez maior o número de comunidades que assumem. O fenômeno da etnicidade ganhou um impulso muito grande no Brasil.

Outro fenômeno é o crescimento populacional.

A política indigenista tem tido impactos positivos. Um deles é o crescimento da população. Nos anos 80, a estimativa era de 250 mil índios aldeados no País. O Censo de 2000 revelou que já eram 735 mil, incluindo os não-aldeados. E de lá para cá a população indígena cresce num ritmo maior que a média nacional. Em 2010, o censo tratará não só o número de índios, mas também das línguas que falam e das etnias a que pertencem.