Título: Previdência: a contrarreforma
Autor: Pacheco, Paula
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2009, Economia, p. B11
Os projetos de lei que alteram a Previdência causam ansiedade. Mas não sei se causam a ansiedade adequada nas pessoas certas. Alguns se perguntam se devem antecipar a aposentadoria. Claramente, não, pois as propostas saíram do "saco de bondades" e pretendem fazer somente o bem. Será que o fazem mesmo? De forma sustentável?
Dois projetos poderão deixar os aposentados contentes - um reposiciona seus benefícios no mesmo número de salários mínimos da data da concessão e o outro reajusta seus valores pelo índice do mínimo. A reposição dá um ganho imediato, tanto maior quanto mais antiga a data da concessão (o salário mínimo dobrou desde 1995). Fácil entender que aumentará muito a despesa e deveria preocupar os responsáveis por seu financiamento.
O terceiro, aprovado pela CCJ da Câmara dos Deputados, extingue o fator previdenciário. Esse não afeta os aposentados, apenas aqueles ainda por se aposentar. Pela regra atual, o direito se completa aos 30/35 (mulher/homem) anos de contribuição e o valor é a média dos 80% maiores salários desde o Plano Real, multiplicada pelo fator.
A extinção do fator resulta em aposentadorias mais altas, com exceção dos que se aposentam idosos ou com longo tempo de contribuição. Por isso, convida as pessoas a se aposentarem mais cedo. Antonio, Pedro e João são exemplos do cotidiano. Todos contribuíram por 35 anos sobre salário real inicial de R$ 800 e final de R$ 1.600. A média dos 80% mais altos é R$ 1.216. Pelo fator, a aposentadoria de Antonio, que tem 70 anos, é de R$ 1.657 - maior do que seu salário final; a de Pedro, que tem 65 anos, R$ 1.313; e a de João, que tem 53 anos, R$ 822. Antonio e Pedro, que são idosos, têm um valor maior que a média. Na nova regra (sem fator e média de 36 salários), o valor para todos será de R$ 1.537. Antonio perde; Pedro ganha 17% e João ganha 87%.
O fim do fator promete dias melhores para quem completar 30/35 anos de contribuição em baixas idades (a partir dos 46/51, mulher/homem), geralmente pessoas de salários altos, com maior grau de instrução e empregabilidade e que permanecem no emprego após a aposentadoria.
Aposentar-se jovem com alto valor é uma aspiração compreensível. O fator reconhece e respeita a liberdade de escolha. Mas há enorme diferença entre se aposentar aos 53 anos (João) ou aos 65 (Pedro) ou aos 70 (Antonio). João espera usufruir o benefício durante 26,3 anos; Pedro, 17,6; Antonio, 14,4. Todos contribuíram com o mesmo montante, mas João recebe o benefício durante um tempo 50% maior do que Pedro e 100% maior do que Antonio. Se o valor mensal for igual, João receberá durante a aposentadoria muito mais do que os outros. Receberá valores para os quais não contribuiu.
O fator ajusta os valores mensais para que todos recebam durante os diferentes tempos de usufruto o montante contribuído. A referência é o total aportado e não o último salário, nem sua média. Extinguir o fator causa injustiça para pessoas como Antonio que receberão menos do que suas contribuições. Causa injustiça, em sentido inverso, aos que se parecem com João, pois receberão valores maiores do que suas contribuições. O problema é que todos querem se parecer com João. Mas quem pagará a conta?
O fim do fator aumentará as concessões, diminuirá as idades e aumentará valores. Retorna-se à situação anterior a 1998.
A extinção do fator, além de injusta, será catastrófica para as contas públicas. Fará do Brasil o recordista mundial de gastos com Previdência. Eliminará as chances de redução dos encargos de folha. Impossibilitará aumentos do mínimo e das aposentadorias. Criará dificuldades para o governo financiar a saúde, já em situação crítica. Haverá propostas de aumentos de impostos. Abalará a credibilidade externa do País. Reduzirá os recursos para investimentos. Diminuirá a possibilidade de crescimento sustentado. Um cenário pior para todos.
Temo que a felicidade imediata e aparente que os projetos prometem seja muito fugaz e nos apresente uma perspectiva sombria.