Título: Dubai, um lembrete sombrio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2009, Notas e informações, p. A3

A crise não acabou, o setor financeiro ainda vai contabilizar perdas importantes e tem razão quem, como o presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles, recomenda cautela. A moratória da estatal Dubai World, em apuros com uma dívida de cerca de US$ 60 bilhões, é mais um alerta sobre as condições ainda precárias da economia mundial. A suspensão de pagamentos afeta credores dentro e fora do país e atinge até o Tesouro britânico, por seu respaldo a bancos em dificuldades. O governo de Dubai, no entanto, procura livrar-se de responsabilidades, embora a gigante imobiliária seja controlada pelo setor público. Suas dívidas não têm garantia oficial e os investidores devem assumir a responsabilidade por suas decisões, disse o diretor-geral do Ministério das Finanças do emirado, Abdulrahman Al Saleh. Dirigentes dos maiores bancos centrais e do FMI poderiam recitar em coro: "Nós avisamos."

As carteiras dos bancos americanos continuam recheadas de hipotecas comerciais de baixa qualidade, disse em depoimento no Congresso o diretor associado de Supervisão do Fed, John Greenlee. Segundo ele, havia inadimplência em cerca de 9% daquelas hipotecas, no fim do segundo trimestre. Naquele momento, os bancos detinham aproximadamente US$ 3,5 trilhões de créditos pendentes e relativos a hipotecas comerciais. As expectativas de perdas, acrescentou, continuam elevadas. Em seu depoimento ele detalhou em linguagem corrente as advertências contidas na Ata da última reunião do Comitê de Mercado Aberto do Fed. A ata menciona a expectativa de elevação dos níveis de inadimplência. Muitos bancos pequenos e regionais, segundo o relatório, são vulneráveis a perdas nas carteiras de crédito imobiliário comercial e por isso os novos empréstimos estão contidos. Mas não apenas esses bancos têm limitado suas operações. A contração dos financiamentos bancários ocorre em todo o mercado e só os governos - federal, estaduais e municipais - continuaram a endividar-se em outubro.

O presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, também tem mostrado preocupação com a saúde do setor financeiro. Os bancos da Europa ainda terão de passar por um demorado ajuste antes de voltar a condições normais de operação. Os comentários de Trichet valem para os bancos da Europa Ocidental e para os da antiga área socialista, severamente atingidos pela crise financeira global.

O desemprego elevado e as condições ainda precárias do mercado imobiliário, tanto nos EUA quanto na Europa, dificultam a recuperação do setor financeiro. A desocupação tem o duplo efeito de aumentar a inadimplência dos empréstimos pessoais e de retardar a recuperação do setor de imóveis. Os dois problemas afetam os bancos, forçados a continuar reconhecendo perdas em suas carteiras de empréstimos. Em contrapartida, as instituições financeiras, ainda sujeitas a grande número de calotes, adotam políticas mais prudentes e limitam a concessão de empréstimos. Com isso, dificultam a recuperação da economia. O círculo se fecha.

Todo esse quadro foi esboçado, com sucessivas correções, pelo FMI no último ano e meio. Em outubro, na última edição do Relatório de Estabilidade Financeira Global, os economistas do Fundo melhoraram ligeiramente suas estimativas de perdas do sistema financeiro. Pelos novos cálculos, as perdas entre o começo da crise, em 2007, e 2010 devem ficar em cerca de US$ 3,4 trilhões. Em abril, a estimativa era de US$ 4 trilhões de prejuízos derivados do estouro da bolha americana. O número se refere a bancos de todo o mundo afetados pela mesma onda de problemas.

Segundo o relatório, a inadimplência do setor empresarial americano continuou crescendo neste ano e deve atingir a intensidade máxima neste fim de ano ou no começo de 2010. Mas os problemas do mercado imobiliário e o elevado desemprego continuarão ainda por algum tempo, de acordo com as projeções do Fundo, a pressionar os bancos nos Estados Unidos e na Europa. Permanece o risco de uma recuperação global lenta e sujeita a uma perda de impulso, se os estímulos fiscais e monetários forem retirados antes da hora. Qual o momento certo para a retirada ninguém sabe por enquanto