Título: Conferência quer intervir na mídia
Autor: Recondo, Felipe ; Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2009, Nacional, p. A6

É isso o que pede a maioria das propostas já encaminhadas por ministérios, sindicatos e ONGs à 1.ª Confecom

A maioria das propostas encaminhadas pelos ministérios, sindicatos e organizações não-governamentais à 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) quer mais regulação do Estado sobre a mídia e, principalmente, mais favores do governo. Entre as ideias tiradas nas conferências regionais, preparatórias para a 1ª Confecom, está a de criar um Conselho Nacional de Comunicação, vinculado à Presidência. Outra proposta é a de recriação da Embrafilme, extinta no início de 1990.

Esse conselho, que lembra a proposta de criação do polêmico Conselho Nacional de Jornalismo - ideia arquivada, que agitou o primeiro mandato do presidente Lula (2003-2006) por se destinar a intervir na produção de reportagens -, servirá para promover "o aperfeiçoamento do setor e viabilização do novo marco regulatório".

Das propostas que, na prática, são reivindicações de algum tipo de acesso facilitado aos cofres públicos, a mais comum é a que pede uma reserva de parte das verbas de publicidade oficial para "veículos alternativos comunitários" e jornais de pequena circulação.

Em vez de regulação objetiva, as propostas têm caráter interventor a pretexto de estabelecer o equilíbrio entre "os interesses da população" e os interesses dos "grandes grupos empresariais". Por esse caminho trafegam ideias que vão da regulação de programas religiosos nas emissoras de rádio e TV à defesa do "controle público dos meios de comunicação".

Para o presidente da comissão organizadora da 1ª Confecom, Marcelo Bechara, do Ministério das Comunicações, a intenção da conferência não é aumentar a participação do Estado na mídia.

"O sistema privado é muito bem sucedido. Tem bom conteúdo, promove o entretenimento e presta um serviço importante. Mas a comunicação pública tem outra visão, um ritmo que não segue a mesma lógica", afirma ele. "Não acho que seja maior participação do Estado. Fica parecendo que o Estado quer tomar o lugar de alguém, mas isso não existe."

A pulverização da publicidade oficial pelo País, no entanto, é vista como uma forma de tentar coibir a produção de reportagens contrárias aos interesses do governo.

"Em vez de aumentar o alcance da publicidade oficial, o governo deveria reduzi-la drasticamente e estabelecer regras muito claras. Há um risco enorme de ser uma tentativa de intimidar o jornalismo investigativo", afirmou o coordenador de projetos da ONG Transparência Brasil, Fabiano Angélico.

Desde que Lula convocou a Confecom, por decreto assinado em abril, os municípios e Estados iniciaram os debates para levar as teses à conferência nacional. Mas, alegando o caráter pouco democrático dos debates, amplamente dominados por representantes do governo ou contrários às empresas, seis representantes das redes privadas abandonaram as discussões. Permaneceram apenas duas, a RedeTV! e o grupo Bandeirantes.

PROGRAMAS RELIGIOSOS

A conferência será palco de disputa de interesses específicos. As entidades sindicais, por exemplo, trabalharão para ter direito a um canal próprio de televisão, proposta já encaminhada à Confecom pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB) e União Geral dos Trabalhadores (UGT).

Rádios e TVs comunitárias querem ter direito a uma cota de publicidade oficial, subsídio para a compra de equipamentos, criação de um fundo alimentado com recursos das empresas comerciais de comunicação, anistia e indenização para quem foi preso pela Polícia Federal por manter rádios sem autorização, as chamadas rádios piratas.

Dentre as propostas já levadas à Confecom, a que mais deve gerar polêmica trata da regulação pelo governo da "prática de proselitismo religioso" no rádio e na TV. Segundo a Secretaria de Comunicação Social do governo (Secom), a programação das empresas de radiodifusão deve ser destinada "prioritariamente para a difusão de programas educativos, culturais, artísticos e informativos".

Outra sugestão, também da Secom, é "coibir a comercialização do tempo de programação" pelas emissoras de rádio e TV. Algumas delas, inclusive, vendem parte de sua programação para programas religiosos.

"Há necessidade premente de coibir a venda de espaço na radiodifusão, porque a concessão, permissão e autorização não podem ter sua titularidade e seu controle repassados nem em sua totalidade e nem parcialmente a outros", defendeu a Secom na sugestão encaminhada à Confecom.

Todas as propostas discutidas e aprovadas durante a conferência, entre os dias 14 a 17 de dezembro em Brasília, serão depois compiladas no documento final da Confecom. "A conferência é propositiva, não cria lei, não haverá um decreto. Mas o Congresso pode usar as informações como subsídios", afirmou Bechara.