Título: Crise esfria relação com os EUA
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/11/2009, Internacional, p. A17
Ao apoiar eleição em Honduras, Casa Branca frustra as expectativas de líderes da região em relação a Obama
O posicionamento dos Estados Unidos durante a crise de Honduras foi um balde de água fria nas grandes expectativas dos líderes da América Latina para o governo do presidente Barack Obama. Foi uma decepção a decisão dos EUA de reconhecer as eleições de hoje, mesmo sem o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, ter sido restituído ao poder - desde que a votação seja considerada justa.
Como disse o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, o clima positivo em torno da eleição de Obama começou a se desfazer. Mas para a maioria dos analistas, os EUA veem as eleições como a saída mais fácil para a crise hondurenha e tentaram apenas ser pragmáticos diante de um dilema.
"Temos a resposta clássica dos EUA - tentar combinar o repúdio ao golpe com uma solução prática, ou seja, Obama, como em outras questões, tentou achar o meio termo", disse Michael Shifter, vice-presidente do Diálogo Interamericano. "Mas esse meio termo deixou um sabor amargo nas relações América Latina-EUA. E, domesticamente, Obama desagradou a esquerda, que o acusa de ser muito leniente com o presidente de facto Roberto Micheletti, e à direita, que o acusa de ser duro demais com ele."
Ao tentar ser pragmático, Obama "minou a mensagem de mudança que queria passar", disse Christopher Sabatini, diretor-sênior de Políticas no Council of the Americas.
Quando Zelaya foi deposto, os EUA juntaram-se aos outros países da região e condenaram enfaticamente o golpe.
No início, o Departamento de Estado também dizia que não reconheceria as eleições em Honduras se Zelaya não fosse restituído. Mas depois de uma tentativa fracassada da Organização dos Estados Americanos (OEA) de fechar um acordo, Washington passou a apoiar o presidente da Costa Rica, Oscar Arias, como negociador.
E, com os sinais de que seria bem mais difícil do que se esperava restituir Zelaya, a Casa Branca deixou de ver a volta dele ao poder como essencial para a redemocratização do país.
Enquanto isso, nos EUA, Honduras havia se transformado em uma bandeira dos conservadores anti-Chávez - que bloquearam a nomeação de dois altos funcionários do Departamento de Estado.
Um deles, Thomas Shannon, indicado para ocupar a Embaixada dos EUA em Brasília, continua vetado. "É claro que a política doméstica teve um grande papel no posicionamento dos EUA", disse Sabatini.
Para o governo americano, nada justifica ou legitima o golpe de Estado. Mas para tirar Honduras da situação caótica em que se encontra, a eleição parece a saída mais viável. No raciocínio do Departamento de Estado, não se pode condenar a priori as eleições hondurenhas.
Anunciar o não reconhecimento das eleições antes mesmo de elas se realizarem seria negar aos hondurenhos seu direito soberano de votar e eleger seu presidente. Portanto, caso as eleições transcorram de maneira justa, os EUA reconhecerão a votação. "Muitos países que já estão dizendo que as eleições são inválidas não têm uma estratégia de saída clara, uma alternativa", disse um funcionário do Departamento de Estado.
EXPECTATIVA
Para o Brasil e os países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), essa posição é indefensável. "Não há dúvidas, até uma criança percebe que não exigir a volta de Zelaya facilitou a vida dos golpistas", diz um diplomata latino-americano.
Segundo ele, havia uma expectativa de mudança qualitativa da relação EUA-América Latina quando Obama assumiu. "Mas os EUA continuam reféns de sua política interna, ou seja, continua tudo igual ao governo Bush."
O diplomata diz que os EUA perderam uma oportunidade em Honduras de demonstrar uma nova política para América Latina, menos ideológica e centrada em combater Chávez e seus aliados. "Os EUA poderiam ter resolvido essa situação com um gesto, podiam ter tirado seu embaixador de Honduras, cortado a ajuda, se Zelaya não fosse restituído."
O governo americano vê ironia nisso: "Sempre fomos condenados por intervir demais, e agora criticam nossa falta de intervenção."
Garcia foi além e disse que a posição americana é "frustrante e decepcionante", comentando a carta enviada por Obama a Lula, em que o presidente americano reforçava sua posição em relação a Honduras.
No governo americano, as declarações de Garcia causaram desconforto, não apenas por se referir a tópicos de uma correspondência diplomática entre dois presidentes, mas também pela falta de tato.
Para analistas, houve realmente uma reversão de expectativas. Mas não se pode extrapolar. "É injusto dizer que o governo Obama apoiou o golpe, os EUA negaram vistos e cortaram boa parte da ajuda financeira ao governo", diz Shifter. "O governo Bush teria sido muito mais ideológico".
Para Shifter, há estresse no relacionamento, mas vai passar. "A lua-de-mel acabou, mas mesmo assim há muitos pontos em comum a serem explorados", disse Sabatini, analista do Council of the Americas