Título: Lula reitera rechaço à transição hondurenha
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/12/2009, Internacional, p. A17

Presidente diz que só mudará de posição diante de algum "fato novo"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou ontem, durante uma reunião em Estoril, Portugal, que não reconhecerá a vitória de Porfírio "Pepe" Lobo como presidente de Honduras na eleição de domingo.

Valendo-se de frases fortes sobre a crise na América Central, Lula foi duro ao responder ao apelo do recém-eleito para que o Brasil aceite o resultado do pleito. "Não, não, não!", afirmou, reiterando: "Peremptoriamente não!" A posição, entretanto, revela ambiguidade, porque o próprio presidente diz que, "se algo novo acontecer", ele pode mudar de ideia.

As afirmações foram feitas antes mesmo do término da Cúpula Ibero-americana, em Estoril, e tinham como foco o governo golpista, mesmo que não tenha mencionado o nome do presidente de facto, Roberto Micheletti. "Não dá para fazer concessão a golpista", argumentou. "Honduras desrespeitou o princípio mais elementar, da volta à normalidade democrática de seu país."

Lula disse ainda que "o golpista agiu cinicamente ao dar um golpe no país e convocar uma eleição". "Ele não tinha direito de convocar uma eleição", concluiu, ignorando o fato de que a eleição foi convocada durante o governo de Manuel Zelaya, o presidente destituído.

Para o brasileiro, sua posição - apoiada por parceiros regionais como a Argentina e a Venezuela - evita a criação de um precedente. "Nós conhecemos a América Central, nós conhecemos a América Latina. E a gente não pode compactuar com um golpe dessa natureza, que finge que não aconteceu nada", reafirmou. "Se isso prevalecer, a democracia correrá sério risco na América Latina e a na América Central."

Embora parecesse bater o martelo em relação a Lobo, Lula abriu a perspectiva de reverter sua opinião. Ao "peremptoriamente não", adicionou um "por enquanto" minutos depois. "Eu não posso decidir agora sobre uma coisa que pode acontecer daqui a um, dois ou três meses", ponderou. "Se acontecer alguma coisa, vamos decidir sobre a coisa nova. Por enquanto, a posição brasileira é de não aceitação do processo eleitoral em Honduras."

A declaração abre a possibilidade de um entendimento e vai na linha do que afirmou o assessor da presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, no domingo. Ele havia sugerido que, se Lobo se dirigir à Organização dos Estados Americanos (OEA), o cenário poderia mudar.

A oscilação do governo brasileiro também reflete o dilema dos países ibero-americanos sobre a crise. Temas centrais das discussões em Estoril, o golpe e a eleição expuseram as profundas divergências dos líderes e impediram a divulgação de consenso sobre o tema.

Em um "comunicado especial", Portugal, na posição de presidente da cúpula, não desceu do muro: condenou o golpe, mas não fez juízo de valor sobre as eleições.

O premiê português, José Sócrates, detalhou sua posição a jornalistas brasileiros: "A ambiguidade é uma arma política", filosofou. "A declaração é propositadamente ambígua em algumas partes, para que uns possam ler de uma forma, outros possam ler de outra."