Título: EUA culpam Amorim por impasse em Doha
Autor: Veríssimo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/12/2009, Economia, p. B5
Americanos exigem do Brasil as mesmas concessões dos ricos
O governo dos Estados Unidos e as maiores associações industriais do país acusam o chanceler Celso Amorim de estar "condenando a Rodada Doha ao fracasso" e diz que Brasil, China e Índia precisam fazer as mesmas concessões que os países ricos fizeram nos anos 90 nas negociações comerciais. Para o Itamaraty, porém, é o governo americano que está em uma situação de isolamento cada vez maior na Rodada Doha.
Hoje a OMC conclui sua reunião ministerial sem decisão nem agenda clara para encerrar Doha até 2010. Na segunda-feira, o representante de Comércio dos EUA, Ron Kirk, deixou claro que a negociação só teria desfecho se Brasil, Índia e China abrissem seus mercados aos produtos industrializados dos países ricos. Amorim respondeu que pedir isso seria "irracional".
Até a noite de ontem, não havia nem sequer um acordo sobre a convocação de uma nova reunião março, para determinar se a Rodada deveria ser mantida ou abandonada. O governo americano rejeitava a ideia de um novo encontro. Outros, como a China, diziam que a nova reunião somente deveria ser convocada se os Estados Unidos se comprometessem a não pedir mais concessões.
Enquanto isso, Kirk subiu o tom dos ataques. "Se tomarmos a forma de pensar de Amorim, estaremos condenando Doha ao fracasso, porque todos estamos dizendo que queremos mudanças, mas não queremos fazer nada diferente."
O americano criticou a insistência do Brasil em seguir o mesmo caminho nas negociações há oito anos. Já o Itamaraty alega que são os americanos quem estão tentando mudar a agenda para garantir maior acesso ao mercado dos países emergentes. "Só faremos progresso se estivermos dispostos a sair de nossa área de conforto. E todos terão de fazer isso."
O representante da Casa Branca tentou amenizar sua posição, alertando que não está pedindo a abertura dos países pobres. "É das economias em desenvolvimento mais avançado que estamos pedindo. Os emergentes têm a oportunidade de subir ao pódio como Estados Unidos e Europa fizeram na Rodada Uruguai e tomar decisões difíceis que serão exigidas para um acordo."
A Associação da Indústria Manufatureira Americana, que engloba as maiores empresas dos Estados Unidos, também fez duras críticas a Amorim, alegando que o comportamento do Brasil impossibilitará a conclusão da Rodada. Já o chanceler insiste que há um só país que hoje não está de acordo com a Rodada: os Estados Unidos. "A questão é simples aqui. Dos 153 países da OMC, 152 já estão de acordo. Claro que o mais poderoso do mundo não está."
Para Amorim, há espaço para "algum ajuste na proposta". "Mas, se quiserem mexer muito no acordo, ou tudo será quebrado ou a mudança será tão grande que será outra rodada." Segundo ele, "o mundo mudou: o poder militar ainda está concentrado, mas no poder econômico há uma mudança".