Título: Honduras sabe o que quer
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2009, Notas e informaççoes, p. A3

Até terça-feira havia uma tênue possibilidade de que o presidente eleito de Honduras, Porfírio "Pepe" Lobo, orientasse os parlamentares de seu Partido Nacional no sentido de aprovar a volta de Manuel Zelaya ao poder, até 27 de janeiro, quando expiraria o mandato do presidente deposto. Com isso, Pepe Lobo pretendia convencer alguns países recalcitrantes a reconhecer o novo governo eleito de Honduras. Mas, na véspera da reunião do Congresso, o principal assessor político de Manuel Zelaya, Carlos Reina, deixou a Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, onde estava abrigado há 72 dias, e comunicou os termos em que o presidente deposto aceitaria reassumir a presidência. A reintegração seria incondicional, a eleição de domingo seria anulada, o mandato de Zelaya não expiraria em 27 de janeiro, para que fossem completados quatro anos de exercício efetivo da função, e os "golpistas" seriam julgados por um tribunal da ONU.

Eram exigências demais para um presidente deposto, asilado e com o prestígio em baixa. Ainda mais se se considerasse que a Suprema Corte e o Ministério Público haviam recomendado ao Congresso que não aprovasse a recondução ao governo de Zelaya, que tem contas a prestar à Justiça. As exigências "incondicionais" de Zelaya acabaram com as escassas chances de obter a recondução ? o que certamente daria à comunidade internacional uma saída para a crise que ela mesma agravou ao condicionar o restabelecimento de relações diplomáticas com Honduras à volta do presidente deposto ao poder. Incentivados por Hugo Chávez, depois acolitado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os países da região não se limitaram a condenar o golpe. Pretenderam impor ao povo hondurenho a sua solução para a crise. Na quarta-feira, o Congresso hondurenho deu a sua resposta à comunidade internacional: por 111 votos contra apenas 14, rejeitou a recondução de Zelaya à presidência.

No domingo, os hondurenhos já haviam mostrado aos governos estrangeiros que tentaram tutelá-lo o que, na verdade, desejavam. Foram às urnas, com um comparecimento recorde ? 61% dos eleitores, num país onde menos de metade dos inscritos costuma votar ?, apesar da campanha pelo boicote das eleições, chefiada por Zelaya, de dentro da embaixada brasileira. E elegeram, com folgada maioria, o candidato do Partido Nacional, que fazia oposição ao Partido Liberal do presidente deposto. O Partido Liberal, aliás, apoiou a deposição de Zelaya.

A OEA e a ONU não enviaram missões a Honduras para verificar a lisura das eleições. Mas cerca de 300 observadores estrangeiros nada constataram que pudesse comprometer o resultado do pleito.

O presidente Lula, por exemplo, incorreu em erro grosseiro quando afirmou, durante a Cúpula Ibero-americana no Estoril, que "o golpista (o presidente de facto Roberto Micheletti) agiu cinicamente ao dar um golpe no país e convocar uma eleição. Ele não tinha o direito de convocar uma eleição". Na verdade, quem convocou essa eleição foi Manuel Zelaya, obedecendo ao calendário de renovação das instituições hondurenhas.

A partir do momento em que fracassou a proposta de solução da crise, feita pelo governo americano, ficou claro que só eleições livres e limpas poderiam romper o impasse. Elas dariam ao país um governo legitimamente eleito, que a comunidade internacional poderia reconhecer. Mas o governo do Brasil continuou insistindo na absurda tese de que tudo tem de voltar à situação imediatamente anterior à queda de Zelaya. É bem verdade que há sinais de que essa posição começa a mudar.

Ainda no Estoril, o presidente Lula reagiu duramente ao saber que o presidente eleito de Honduras apelava ao Brasil para que reconhecesse o resultado do pleito. "Não, não e não! Peremptoriamente não!", foi a resposta de Lula. No entanto, pouco antes do rompante presidencial, o assessor Marco Aurélio Garcia reiterava a posição oficial do governo, mas com ressalvas. "Se o Brasil tiver de mudar de posição, o Brasil mudará de posição", disse ele, falando também em "fatos relevantes" que poderiam levar o Itamaraty a uma nova atitude. Pois os "fatos relevantes" aconteceram. Os hondurenhos decidiram, nas urnas e no Congresso, que não querem Zelaya nem o que ele representa.