Título: Hegemonia de Evo cria opositores inesperados
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/12/2009, Internacional, p. A10

Aliados indígenas irritam-se com poder crescente do presidente

Slogans e pôsteres de Che Guevara à parte, essa não é a Havana de 1959, nem a Manágua de 1979. Na verdade, o fervor nos escritórios do vice-ministro da Descolonização podia ser sentido apenas na Bolívia do presidente Evo Morales, que caminhava para uma vitória fácil na eleição de ontem.

Com uma oposição enfraquecida e sua visceral conexão com a maioria indígena - mais de 60% da população -, Evo é possivelmente o líder mais forte do país em décadas.

Este ano, ele obteve uma reforma constitucional que lhe permitiu concorrer a um novo mandato. Ontem, as pesquisas de boca de urna o colocavam muito à frente de seus rivais. Com o triunfo, deve moldar ainda mais a nação à sua imagem de líder aimará.

Mas esse mesmo domínio valeu a Evo alguns rivais inesperados, além da oposição que enfrenta de elites tradicionais. Sua crescente influência também parece opressiva para vários políticos indígenas que lutam para sair de sua sombra.

"Esse governo existe para gastar dinheiro em campanhas de Evo às nossas custas", disse Felipe Quispe, um líder político aimará. "Evo é um índio vestido em roupas chiques, rodeado de brancos e mestiços."

O antropólogo Ricardo Calla, ex-ministro para Assuntos Indígenas, disse que assim como Quispe estava à esquerda do presidente, outros políticos indígenas haviam surgido em todo o espectro ideológico, sugerindo uma classe política mais diversificada do que a apresentada pela mídia estatal.

No centro, por exemplo, está a governadora Savina Cuellar. À direita está Victor Hugo Cárdenas, um ex-vice-presidente cuja casa foi atacada por uma multidão pró-Evo este ano.

Ainda mais à direita está Fernando Untoja, um intelectual aimará que concorre na chapa de Manfred Reyes Villa, segundo colocado segundo as pesquisas divulgadas na noite de ontem.

Para Calla, "o próprio Evo poderia ser considerado da esquerda autoritária". Contribuindo para essa classificação, ele argumentou, esteve a resistência de Evo a cooperar com outros partidos e ameaças de prisão de oponentes.

Há razões concretas para a popularidade de Evo. A principal delas é o crescimento sustentado da economia, que rendeu aplausos de economistas impressionados com sua acumulação de mais de US$ 7 bilhões em reservas em moedas fortes, apesar de o país continuar assolado pela pobreza.

Mesmo com a crise, a economia da Bolívia deve crescer até 4% este ano, uma das taxas mais altas da região.

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