Título: Quem ganha com o Refis
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2009, Notas e informações, p. A3

Mesmo sendo o mais generoso programa de desconto e parcelamento de débitos tributários dos quatro adotados pelo governo desde 2000, o "Refis da crise" - cujo prazo de adesão terminou na segunda-feira - trouxe benefícios para os cofres públicos, garante a Receita Federal. No curto prazo, de fato, há um dado positivo. Antes de encerrado o prazo, o número de adesões havia alcançado 1,17 milhão de contribuintes, mais do que o total de 974,2 mil beneficiados por todos os programas anteriores, e o caixa do governo havia recebido um reforço extra de R$ 1,8 bilhão. A receita extra poderia chegar a R$ 2 bilhões.

O governo tem bons motivos para comemorar. O alívio que essa receita adicional trouxe para a política fiscal do governo foi sentido já em outubro, quando foram arrecadados R$ 776 milhões dos que aderiram ao "Refis da crise" e recolheram o valor acertado (a quitação do débito com grandes descontos ou o pagamento da primeira parcela da dívida renegociada). A arrecadação extra, somada à transferência compulsória para o Tesouro dos depósitos judiciais que estavam na Caixa Econômica Federal, permitiu ao governo interromper 11 meses consecutivos de queda de receita e evitar a redução ainda maior do superávit primário.

Não se pode, no entanto, considerar que a receita propiciada pelo "Refis da crise" é um ganho. Programas generosos de refinanciamento de débitos tributários produzem aumentos temporários de arrecadação, mas a grande maioria dos que aderem a eles os abandona depois do pagamento da primeira parcela. Com esse primeiro pagamento, os contribuintes deixam de ser considerados inadimplentes junto à Receita Federal, o que os habilita a obter a Certidão Negativa de Débito, essencial para o relacionamento comercial e financeiro com o setor público - e é esse o único objetivo de muitos contribuintes que aderem ao programa. Obtida a certidão, deixam de recolher as parcelas seguintes, à espera de novo programa de refinanciamento, que tem vindo sempre.

O "Refis da crise" - adotado, segundo a explicação oficial, para aliviar a situação de empresas atingidas pela crise mundial - criou uma situação nova. Ao contrário do que ocorreu nos programas anteriores, desta vez houve a adesão de grandes empresas, atraídas pelos descontos de até 100% de multas, juros e encargos legais, bem como pela possibilidade de pagamento em até 180 meses de dívidas de qualquer valor, mesmo as resultantes de causas perdidas em última instância na Justiça.

Uma das empresas que aderiram ao programa, como mostrou o jornal Valor, é a gigante do setor petroquímico Braskem, que incluiu no parcelamento o total de R$ 1,9 bilhão que discutia na Justiça como crédito do IPI na compra de insumos sujeitos à alíquota zero, como crédito-prêmio do IPI e como recolhimento adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). "Pesamos a possibilidade de êxito das discussões judiciais, mas o benefício concedido chega a 70% do valor total em discussão", disse ao jornal o diretor financeiro da empresa. Se as contas estiverem certas, só da Braskem o governo deixou de arrecadar R$ 1,33 bilhão.

Outra empresa que aderiu ao "Refis da crise" é a Eletropaulo, com um total de R$ 910 milhões. Em informação ao mercado, a empresa disse esperar que, com a decisão, seu lucro deverá aumentar R$ 250 milhões, valor que deixará de ser recolhido aos cofres públicos.

Em apenas dois casos, a renúncia tributária, em favor de duas empresas que dificilmente poderão ser consideradas "em crise", alcança mais de R$ 1,5 bilhão. O total da renúncia fiscal, obviamente, será muito maior. Como, então, falar em ganhos para o governo?

Não é apenas o governo que perde com programas desse tipo. Perdem, sobretudo, os contribuintes que, com grandes dificuldades, honram seus compromissos tributários no prazo legal. Muitos de seus concorrentes, que não recolheram os tributos adequadamente, agora recolherão menos e em condições muito favorecidas. É uma concorrência desleal com patrocínio oficial.