Título: Evo elogia Lula e reduz confronto com Brasil
Autor: Miranda, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2009, Internacional, p. A14

Desde 2006, dependência boliviana da economia brasileira cresceu

Após sair vitorioso nas eleições de domingo na Bolívia, o presidente Evo Morales adotou ontem um tom mais conciliador no campo da política externa, afirmando que deseja ter boas relações com "todos os países do mundo". O líder boliviano ainda elogiou o colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, a quem qualificou de "o melhor presidente da América Latina", e garantiu que os tempos de confronto com o País sobre o gás natural ficaram para trás.

A mudança no discurso de Evo, segundo analistas, seria um dos indícios de que hoje - com a economia debilitada por falta de investimento no setor de hidrocarbonetos, nacionalizado em 2006 - a Bolívia tornou-se mais dependente do Brasil.

"A importância do mercado brasileiro para a Bolívia é enorme porque somos os principais importadores do gás boliviano", afirmou ao Estado o economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. "Se colocarmos na balança os resultados das nacionalizações fica evidente que a Bolívia perdeu muito mais que o Brasil e hoje eles dependem muito mais de nós do que nós deles." Segundo projeção da Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos, a economia do país deve perder este ano mais de US$ 1 bilhão por causa da queda nas exportações de gás natural.

A economia com base na produção de hidrocarbonetos garante bonança em anos de alta demanda energética e de crescimento econômico, mas, quando os preços caem, sua influência é "daninha" para os bolivianos, de acordo com a CBH. O Brasil reduziu suas compras de 29 milhões de metros cúbicos por dia, em novembro de 2008, quando a crise internacional começou, para 20 milhões de metros cúbicos por dia, em janeiro.

Para o economista e cientista político Gonzalo Chávez, da Universidade Católica da Bolívia, o principal desafio da nova administração é saber aproveitar melhor as relações com o Brasil. "Bolívia e Brasil compartilham uma fronteira de mais de 3 mil quilômetros e Evo tem de saber explorar essa proximidade, apostando no desenvolvimento local", disse Chávez. "A Bolívia não tem só gás para exportar e o governo poderia investir mais no turismo e na manufatura de outros produtos."

LAÇOS IDEOLÓGICOS

Além da retomada das relações comerciais, a vitória de Evo pode ajudar a consolidar as relações diplomáticas entre Brasília e La Paz. O mal-estar causado pelas nacionalizações de três anos atrás já teria sido superado, apontam analistas. "As relações caminham para sua estabilização e Evo deve negociar de forma mais tranquila e de acordo com os interesses dos países vizinhos", afirmou Tullo Vigevani, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC.

No entanto, uma eventual mudança de governo no Brasil depois das eleições gerais de 2010 poderiam modificar os laços de amizade entre os dois países. "A orientação dada por um novo presidente poderia mudar e, dessa maneira, as relações não seriam tão favoráveis para a Bolívia como foram durante o governo Lula", disse Christian Lohbauer, do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP.

Evo, porém, garantiu que deseja manter boas relações com o governo que será eleito em outubro pelos brasileiros. "Esperamos, com o novo presidente ou nova presidente do Brasil, seguir com o diálogo transparente e sincero, e resolver de maneira conjunta as demandas ou problemas de ambos os países", disse o líder boliviano.

Líder garante que não tentará terceiro mandato

O presidente da Bolívia, Evo Morales, afirmou ontem que não tem interesse em buscar um terceiro mandato a partir de 2015, apesar de lembrar que a nova Constituição lhe permite pleitear novamente o cargo. "Evo Morales não tem nenhum interesse em uma nova ratificação", disse o presidente ao ser consultado em entrevista coletiva, um dia depois das eleições nas quais, segundo resultados preliminares, foi reeleito para um mandato de cinco anos.