Título: Eleição inverte os papéis na região
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2009, Internacional, p. A18

Venezuela e EUA defendem agora posição que criticavam antes da crise

A crise de Honduras colocou em evidência um fenômeno que vem crescendo na América Latina: a crença de que apenas a realização de eleições é suficiente para o bom funcionamento de democracias. Este sempre foi o discurso bolivariano do venezuelano Hugo Chávez, que até então era questionado pelo Departamento de Estado americano. A ironia do caso hondurenho é que, agora, os papéis se inverteram: enquanto os EUA reconhecem a votação como símbolo da estabilidade, é a vez de a esquerda chiar, levantando a bandeira da legalidade.

"O discurso já vinha sendo usado por Chávez e demais líderes bolivarianos para justificar medidas que limitam outras condições necessárias para o bom desenvolvimento de uma democracia, como instituições fortes, a separação dos poderes e o respeito às minorias", disse ao Estado o cientista político venezuelano Carlos Romero. "Agora, foi aproveitado por partidos e militares hondurenhos justamente numa reação à tentativa de um presidente seguir o caminho de Chávez."

O argentino José Natanson, diretor da revista Nueva Sociedad e autor de um livro sobre a nova esquerda latino-americana, concorda. "Os militares hondurenhos não queriam dar um golpe tradicional e ficar no poder, mas abrir parênteses de ilegalidade no processo político para, então, realizar eleições", diz Natanson.

Ele lembra o que ocorreu quando Chávez foi afastado do poder, em 2002. O empresário Pedro Carmona deu indícios de que permaneceria na presidência, fechou o Congresso e o Tribunal Supremo Eleitoral - e foi derrubado em 48 horas. "Os conservadores hondurenhos aprenderam com o caso venezuelano. E isso abre um precedente perigoso para a região."

Mesmo aliados do presidente deposto, Manuel Zelaya, admitem que a associação com Chávez foi o que tornou inviável seu governo. "Zelaya deu sinais de que poderia seguir o caminho venezuelano sem preparar a população para isso. Muita gente ficou assustada com a possibilidade da instalação em Honduras do "socialismo bolivariano", mesmo entre as classes mais pobres", disse Antonio Reina, da Frente Nacional de Resistência, que apoia Zelaya.

Segundo Romero, a crise em Honduras deixa uma lição: presidentes que se desviam de caminhos democráticos podem impulsionar o conflito em seus países e reações antidemocráticas. "Essa foi a maior derrota da diplomacia venezuelana, já que, a partir de agora, os líderes da região pensarão duas vezes antes de seguir o caminho de Chávez", opina Romero.

Muitos analistas concordam que, a essa altura, eleger um novo governo em Honduras era a única forma de resolver a crise. Afinal, se um outro presidente não fosse eleito, não haveria quem substituísse Zelaya em 27 de janeiro, quando termina seu mandato. Também conta a favor da votação o fato de que ela ocorreu sem grandes incidentes e estava marcada antes de junho, quando Zelaya foi deposto. Até os candidatos já haviam sido escolhidos.

O principal ponto contrário à eleição é o clima de medo e intimidação no qual ela ocorreu - sob um governo de facto e com 30 mil policiais e militares fortemente armados nas ruas. Diversas organizações também denunciaram uma série de prisões arbitrárias de aliados de Zelaya. Além disso, apesar das promessas de diálogo, os grupos que promoveram a deposição do presidente em nenhum momento deram sinais de que estavam dispostos a ceder em nome da conciliação nacional.

Agora, a comunidade internacional aguarda os sinais do presidente eleito, Porfírio "Pepe" Lobo, do Partido Nacional, que iniciará seu governo no meio de uma crise interna e externa, e com severas restrições orçamentárias por causa do corte da ajuda internacional. Não está claro quem venceu em Honduras, mas, segundo os analistas, seja pelos ataques de Zelaya ou pela reação do governo de facto, quem perdeu foi a democracia.