Título: Brasil diz não a Honduras e sim a Cuba
Autor: Oppenheimer, Andres
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2009, Intenacional, p. A19

Brasil, Estados Unidos e a Organização dos Estados Americanos merecem cada qual uma medalha de ouro pelo seu péssimo manejo das eleições presidenciais da semana passada em Honduras.

Examinemos como os principais atores internacionais se comportaram durante a crise desencadeada pelo golpe de 28 de junho contra o presidente Manuel Zelaya, o primeiro caso deste tipo na América Latina em quase duas décadas.

? A medalha de ouro da hipocrisia política deve ficar com o Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera o grupo de países que não reconhecem os resultados da eleição de Honduras, cujo vencedor foi Porfirio Lobo, um esquerdista convertido em empresário. Lula diz, com razão, que reconhecer a eleição de Lobo estabeleceria um precedente ruim para a América Latina, pois legitimaria um pleito convocado por um governo não democrático.

O problema deste argumento está no fato de a maioria das democracias atuais na América Latina ter nascido de eleições convocadas por governos que tiveram sua origem em golpes, desde a vitória em 1989 do presidente chileno Patricio Aylwin em eleições organizadas pela ditadura do general Augusto Pinochet. Além disso, as recentes eleições hondurenhas não foram um invento do regime de facto do presidente Roberto Micheletti, já de saída. A data do pleito foi definida antes do golpe.

Mas o que torna a posição brasileira uma demonstração evidente de hipocrisia é o fato de, dias depois de pedir ao mundo que não reconhecesse a eleição de Lobo em Honduras, Lula ter oferecido uma recepção de gala ao presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad na capital brasileira, conferindo a este algum reconhecimento internacional, tão necessário.

Além de ignorar as advertências da ONU sobre o programa nuclear de seu país e afirmar repetidas vezes que deseja varrer Israel do mapa, Ahmadinejad acaba de se proclamar o vencedor de eleições extremamente duvidosas e contestadas. Pior ainda: o regime de Ahmadinejad condenou à morte oito manifestantes opositores - algo que o governo de facto de Honduras nem chegou perto de fazer.

Como pode Lula pedir que sejam mantidas as sanções internacionais contra Honduras enquanto insiste para que sejam suspensas as sanções remanescentes contra Cuba? Aparentemente o Brasil quer manter a suspensão de Honduras na OEA depois de ter encabeçado a votação que pôs fim à suspensão de Cuba na mesma organização, que durou quase cinco décadas.

Trata-se de uma posição curiosa, levando-se em consideração que o regime cubano não permite eleições livres e nem partidos de oposição há cinco décadas, algo que não pode ser dito do governo de facto hondurenho.

É verdade que o Brasil pode se ver obrigado a defender a posição de Zelaya de forma mais ativa porque o presidente deposto está na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Mas a posição do Brasil na crise de Honduras foi uma piada.

? A medalha de ouro da indecisão ficaria com os Estados Unidos. Inicialmente, o governo do presidente Barack Obama se uniu ao Brasil e outros países latino-americanos na denúncia do golpe, eliminando a assistência oferecida ao governo de Micheletti para o desenvolvimento e o combate às drogas. Depois, o Departamento de Estado anunciou que reconheceria o resultado das eleições, afirmando que ajudaria a restabelecer a democracia no país. Antes, porém, recuou um pouco, sugerindo que Honduras precisaria criar um governo de união nacional antes da transferência do poder para que Washington suspendesse as sanções. Ninguém entendeu.

É verdade que a crise em Honduras se desenvolveu enquanto o posto de encarregado dos assuntos latino-americanos no Departamento de Estado estava disponível, porque os republicanos atrasaram a nomeação de Arturo Valenzuela até finalmente o confirmarem no cargo no mês passado. Ainda assim, a posição americana foi, no mínimo, confusa.

? A Organização dos Estados Americanos merece a medalha de ouro da parcialidade. Em vez de condenar o golpe e ao mesmo tempo criticar Zelaya por desobedecer às decisões da Suprema Corte de seu país, a OEA só fez campanha em favor do líder deposto. Isto tornou mais difícil uma intervenção do grupo de 34 países enquanto mediador imparcial da crise.

O que deveriam ter feito os atores internacionais? Diferentemente do que dizem os direitistas do Congresso, Honduras deveria ter sofrido sanções em decorrência de um indiscutível desrespeito ao estado de direito. Nenhum golpe deve ficar livre de consequências.

Mas há uma distinção entre sanções políticas e sanções econômicas. É injusto responsabilizar o presidente eleito de Honduras por um golpe no qual ele não tomou parte. Além disso, não faz sentido pedir por sanções econômicas contra Honduras enquanto se exige a suspensão das sanções a Cuba.

*Andres Oppenheimer é colunista e escritor