Título: A boa e a má notícia
Autor: Caldas, Suely
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2009, Economia, p. B2

Em 1966, quando o Instituto Nacional da Previdência Social (atual Instituto Nacional do Seguro Social, INSS) foi criado, a expectativa de vida do brasileiro era de 55 anos e as regras de aposentadoria obedeciam a esse parâmetro. Em 1988 a nova Constituição manteve a legislação em vigor na época, que contemplava duas modalidades de acesso à aposentadoria: 1) 35 anos de contribuição para o homem e 30 para a mulher; ou 2) 65 anos de idade para o homem e 60 para a mulher. Em 1988 o brasileiro vivia, em média, 65 anos.

E como é hoje? Segundo o IBGE, em 2008 a esperança de vida saltou para 73 anos - 69,11 anos, o homem, e 76,71 anos, a mulher. Portanto, desde 1988 a população passou a viver 8 anos mais. E as regras de acesso à aposentadoria? Não mudaram, permanecem as mesmas (o fator previdenciário retardou a concessão dos benefícios, mas as regras de acesso foram mantidas).

Trocando em miúdos: os brasileiros passaram a receber mais 8 anos (ou 104 meses) do benefício, sem que o prazo de contribuição ou a idade de acesso fossem alterados para acompanhar. O resultado dessa equação é o desequilíbrio financeiro da Previdência, que cresce junto com a ampliação de vida da população.

Na terça-feira o IBGE divulgou uma notícia boa e outra ruim. A boa: o brasileiro vive mais, com melhor qualidade de vida e isso vai continuar no futuro. Segundo o IBGE, se hoje os idosos (acima de 65 anos) representam 6,6% da população, em 2050 eles serão 22,7%. A ruim: as regras de aposentadoria terão de ser adaptadas para atender a essa realidade - presente e futura. O que pode ser feito de variadas maneiras. A mais simples, discutida em debates, seria eliminar o sistema de aposentadoria por tempo de contribuição e elevar gradualmente a idade de acesso ao benefício, sobretudo das mulheres, que vivem mais e se aposentam mais cedo do que os homens.

E se nada for feito? Apesar de agravar seu déficit ano a ano (em 2009 deve chegar a R$ 50 bilhões), a Previdência vai sobreviver, mas tirando recursos públicos de outros setores sociais (saúde, educação, habitação, saneamento, investimentos) carentes de dinheiro público. E até quando? Para sempre não dá. E por quê?

Nas últimas décadas o progresso social tem gerado dois fenômenos que influenciam os cálculos da Previdência no futuro: o crescente envelhecimento da população e a drástica redução da taxa de fecundidade da mulher (se até 1960 a brasileira tinha, em média, 6 filhos, em 2008 a taxa caiu para 1,86, abaixo até do nível de reposição das gerações). Ou seja, a população idosa cresce e a infantil recua. Ótimo para o equilíbrio populacional. Mas péssimo para a sobrevivência de um regime previdenciário de repartição, como o nosso, em que os jovens que trabalham pagam para garantir a aposentadoria dos idosos. Infelizmente é assim, não há mágica. O dinheiro da Previdência vai minguar cada vez mais.

Por isso é preciso pensar numa solução que não seja paliativa como foi o fator previdenciário, mas duradoura, que garanta a aposentadoria dos idosos hoje, mas também dos jovens no futuro.

A mudança de regras para dar equilíbrio financeiro à Previdência é apenas uma solução. Há outras. A Noruega, por exemplo, criou um fundo para garantir vida tranquila aos idosos com o dinheiro extraído do petróleo, sua maior fonte de riqueza. No Brasil o governo Lula tem falado em usar o dinheiro do petróleo do pré-sal em educação, não em previdência.

Governar é fazer escolhas. Certas ou erradas, mas fazer escolhas. A receita tributária é finita, o Orçamento precisa ser equilibrado e cabe ao governante eleito e ao Congresso definirem as áreas para onde serão alocados recursos. Se eles escolherem investir mais na velhice do que na infância, se decidirem reduzir o dinheiro da saúde, deixando as pessoas morrerem na porta dos hospitais sem atendimento, mas garantir qualidade de vida aos idosos, estão fazendo escolhas e a sociedade os cobrará por isso.

No Brasil, qualquer proposta de mudança na Previdência é mal-entendida e rejeitada com gritos, manifestações e greves. Pelos idosos, que nada querem perder; pelos jovens, que não têm informação nem consciência do prejuízo que os aguarda no futuro se nada for feito; e, sobretudo, pela classe política, que, por um oportunismo irresponsável, não busca uma solução. Cada governante que chega deixa o problema para o próximo, que também o empurra para o seguinte. E, como uma bola de neve, a Previdência já é um tremendo problemão e em pleno crescimento. Até quando?

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)