Título: Aneel duplamente controlada
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/12/2009, Notas & Informações, p. A3

Com a eficiência técnica e a autonomia comprometidas pela interferência do governo - por meio da nomeação de diretores por critérios partidários e da redução de seus gastos, como ocorre com outros órgãos reguladores federais -, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) agora é acusada de ter sido "capturada" pelas empresas distribuidoras de energia, cujo desempenho deveria fiscalizar.

"Os diretores da agência já saem de lá com emprego garantido para alguma empresa que ajudaram quando estavam lá dentro", disse ao Estado o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada em junho para investigar as tarifas de energia e a atuação da Aneel - que acaba de encerrar suas atividades. O relatório final faz apenas uma recomendação genérica para que se investigue a atuação de ex-dirigentes da Aneel - "não queremos citar nomes, para não deixar ninguém de fora", justificou-se o relator, deputado Alexandre Santos (PMDB-RJ) -, mas a CPI dispunha de informações mais específicas.

As suspeitas - como mostrou o Estado na segunda-feira, em reportagem de David Friedlander - envolvem grandes empresas de energia, distribuidoras regionais e pessoas que exerceram cargos na Aneel e depois passaram a trabalhar para as empresas cuja atuação tiveram a incumbência de analisar ou fiscalizar quando estavam na agência reguladora.

As denúncias da CPI levantam uma questão administrativa complexa. Para tomar decisões adequadas e equilibradas - que atendam, na medida do possível, aos interesses das empresas concessionárias de serviços públicos, do usuário ou consumidor desses serviços e do Estado brasileiro -, as agências reguladoras precisam dispor de um corpo técnico de qualidade e ter, em suas diretorias, profissionais competentes. Os diretores têm mandato, findo o qual cumprem um período de quarentena antes de trabalhar para empresas privadas, se for essa sua escolha profissional. E, por sua qualificação e experiência, provavelmente trabalharão em empresas do setor que era regulado pela agência à qual pertenciam.

É comum, nesses casos, como lembrou o professor Carlos Ari Sundfeld, especialista em direito administrativo, o surgimento de suspeitas de que o ex-funcionário "foi trabalhar na empresa como pagamento por algum favor ou que está levando informações confidenciais". Mas, pergunta, "se for assim, onde eles vão trabalhar?"

É em fatos desse tipo que se baseiam as acusações do deputado Eduardo da Fonte. Em um dos casos, a Aneel autorizou a Celpe a adquirir energia da Termopernambuco - empresas que pertencem ao Grupo Neoenergia, para o qual passaram a trabalhar dois ex-diretores e um ex-superintendente da agência - a preço muito maior do que pagava para a antiga fornecedora, a Chesf, e a repassar o aumento para os consumidores. O custo adicional foi de R$ 300 milhões.

"É crucial monitorar a relação dos diretores da Aneel com as empresas que eles deveriam vigiar", diz o relator Alexandre Santos. Por isso, o relatório da CPI sugere a criação de um Conselho das Agências Reguladoras Federais vinculado ao Congresso para exercer o controle externo das agências. A situação atual, na opinião do relator da CPI, é propícia para a concessão de aumentos "exorbitantes" das tarifas.

Este é um dos aspectos negativos do desempenho da Aneel, devido ao controle político ou à sua "captura" por empresas privadas. O outro é a notória perda da qualidade dos serviços, que - como mostrou o Estado em reportagem de Renée Pereira, publicada domingo - caiu para seu nível mais baixo desde o início da privatização, apesar dos aumentos das contas de luz.

Em algumas regiões, o fornecimento chega a ser interrompido mais de mil horas por ano, o que equivale a mais de 40 dias sem luz, apesar de, nessas regiões, a tarifa ser a mais alta do País. Mas a combinação de serviço ruim e custo excessivo prevalece em todo o território nacional. "Temos as contas de luz mais caras do mundo e uma péssima qualidade de energia", diz o professor da USP Ildo Sauer.

Se a Aneel ficar submetida a interesses políticos do governo e a interesses econômicos de empresas do setor, a situação ainda pode piorar muito.