Título: Aumento da pena é ação mais fácil para governante
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2009, Nacional, p. A6

Entrevista - Oscar Vilhena: Professor da Direito GV; jurista considera proposta de Lula ineficaz e sugere, no lugar, afastamento sumário para gestores envolvidos em corrupção Oscar Vilhena, professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Direito GV), avalia que o aumento da pena para acusados de corrupção não basta. Ele acredita que uma medida mais eficaz no combate ao governante corrupto é o seu afastamento imediato do cargo.

Graduado em direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), com mestrado em direito pela Universidade de Columbia e em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), Vilhena observa que, quando há clamor público, a "ação mais fácil" do político é propor aumento de pena.

O professor sustenta que medidas desse gênero têm "caráter simbólico".

Basta aumentar pena para corrupto?

Não. O fato é que isso, o aumento de pena, é a ação mais fácil que todo governante lança mão toda vez que um crime preocupa a sociedade. A cada vez que um delito choca a sociedade, a primeira reação, a mais fácil, é aumentar a pena. É uma tradição da política brasileira. Quando há clamor, quando a população pede maior rigor, o ato primeiro e mais comum do político é aumentar a pena. É assim ao longo da história do Brasil. Absolutamente ineficaz.

Incluir corrupção e peculato no rol dos crimes hediondos não é um avanço no combate à impunidade?

Outras coisas mais importantes podem ser feitas no combate à corrupção. Por exemplo, diante de tantas evidências, o afastamento sumário de governante envolvido em algum episódio de corrupção. O presidente da República pode propor, além de uma simples ampliação de pena, mudança de certas leis que permitam, de fato, a condução célere do processo judicial por corrupção. Eu creio que a inclusão desse tipo de delito no rol dos hediondos não terá nenhum impacto sobre a redução da incidência da corrupção no País.

Oportunismo?

Pode ser. É uma resposta sobretudo simbólica ao clamor popular. Considero importante que, quando acontece algo de ruim na sociedade, as pessoas tomem decisões. Nem sempre é oportunismo. Chove muito na cidade, a prefeitura libera mais dinheiro para a defesa civil. Por que não deu antes? As mudanças são mais fáceis de serem executadas nos momentos de crise. Não é oportunismo criar maiores constrangimentos para conter a corrupção. O que parece oportunismo são as medidas de caráter meramente simbólico, que não têm potencial de coibir a ação de maus administradores. Não vejo como aumento de pena possa deter esse tipo de criminoso ou prevenir esse tipo de infração.

Por que são raros os casos de condenação de corrupto?

A questão no Brasil é que você tem, por um lado, um sistema político que cria incentivos para o clientelismo e, por outro lado, existe a percepção de que não há uma punição à vista. Se pegarmos o escândalo do mensalão, as pessoas citadas não foram punidas. E elas estão muito longe de serem julgadas. O próprio Arruda, que protagonizou um ato (violação do painel do Senado) que o fez abdicar do mandato. O fato é que ele não foi punido criminalmente por aquele ato.

Corruptos, geralmente, podem pagar advogados experientes e bem-sucedidos. É por causa dessa defesa qualificada que eles se livram da cadeia?

A última coisa que se pode pretender no Estado de Direito é abrir mão da defesa. É muito bom que todos tenham direito de defesa assegurado. Melhor ainda se a defesa for boa. O problema no Brasil é que os custos para você explorar todos os aspectos da defesa são muito altos. Portanto, pessoas de baixa renda não têm condições de utilizar todos os mecanismos que o Estado disponibiliza. O Estado de Direito custa. Alguns podem pagar, outros não. Quem não tem um advogado constituído vai ser pior defendido do que aquele que tem condição de contratar um bom profissional.

Por que tanta impunidade ?

A percepção é que todos temos o direito subjetivo a todos os recursos. No Brasil existem muitos graus de jurisdição, primeiro grau, segundo, depois os tribunais superiores, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Não é falha do advogado que está utilizando todos esses mecanismos, nem do juiz. A falha é do sistema processual que permite tantas idas e vindas. Isso retarda a aplicação da lei. No fundo, beneficia o corrupto.

Pesquisa recente da Escola de Direito da FGV revela que 94% dos casos rotulados de crime do colarinho branco acabam em condenação. Mas ninguém fica preso porque os réus são contemplados com pena alternativa. Acabar com esse sistema pode ser solução?

Só vamos saber depois da implementação dessa nova lei. De fato, o uso da pena alternativa para aquele que não põe em risco a integridade física de alguém me parece uma coisa inteligente. Mas tem de impor penas alternativas que realmente façam com que a sociedade perceba que uma punição efetiva está sendo aplicada, que o indivíduo sofra essa sanção. A pena pode ter um impacto muito positivo, desde que aplicada. O que não pode é a simples transformação em cesta básica. Aí a gente tem um cálculo econômico. O acusado raciocina assim: se eu vou ganhar 10 milhões na fraude e a pena for de 100 mil, eu vou continuar. O simples pagamento de multa gera um cálculo econômico. A eventual possibilidade de prisão para uma pessoa que não se imagina na prisão pode ser amedrontador. O fundamental é que a lei seja aplicada.

Quem é: Oscar Vilhena

Professor da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas - Direito GV

Graduado em direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo

Tem mestrado em direito pela Universidade de Columbia e em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP)