Título: Ditadura torna-se cabo eleitoral da Concertação
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2009, Internacional, p. A20

Governistas resgatam casos de atrocidades pinochetistas como estratégia para marcar as diferenças com a direita

Mais de três anos após a morte de Augusto Pinochet, a sombra dos 17 anos de ditadura (1973- 1990) volta a marcar o cenário político do país, na reta final da campanha para as eleições de domingo. Preocupada com a possibilidade de perder a votação, a Concertação, coalizão de centro-esquerda que governa o Chile há 20 anos, recorda as atrocidades pinochetistas e as vincula à direita para tentar reverter o favoritismo do candidato conservador Sebastián Piñera.

"Essa é a bala de prata da Concertação", disse ao Estado Patrício Navia, analista político e colunista do jornal La Tercera, um dos principais do Chile. "Inicialmente eles tentaram avançar nas pesquisas sem bater nessa tecla mais uma vez. Sem resultados, voltaram à estratégia."

Recentemente, o candidato governista Eduardo Frei anunciou uma agenda de 17 pontos para a promoção dos direitos humanos. Frei participou no sábado de um ato em homenagem ao cantor Víctor Jara, torturado e morto no Estádio Nacional em 1973. Pouco depois, no fechamento de sua campanha, em Talagante, propôs o fim da lei da anistia contra os crimes da ditadura, de 1978 - uma medida meramente simbólica, já que, na prática, os tribunais chilenos já vêm julgando esses crimes com base em leis internacionais. "O que há com o Frei? Por que tanta amargura? Está optando pelo passado, revivendo as mesmas divisões, ódios e rancores que tantos danos provocaram no Chile?", questionou Piñera.

A estratégia de Frei foi favorecida, na segunda-feira, pela decisão do juiz Alejandro Madrid de ordenar a prisão de seis pessoas - entre elas quatro médicos - que seriam autoras ou cúmplices do assassinato de seu pai, o ex-presidente Eduardo Frei Montalva, um grande líder da oposição a Pinochet. O magistrado concluiu que Frei Montalva foi envenenado no hospital após passar por cirurgias por causa de uma hérnia de hiato, em 1982.

A oposição e alguns juízes da Suprema Corte chilena manifestaram sua preocupação com o fato de a decisão ter sido anunciada apenas seis dias antes da eleição - o que poderia indicar motivações eleitorais. La Tercera citou fontes próximas a Madrid segundo as quais ele teria ideias "simpáticas à Concertação". O juiz, porém, alega que só agora concluiu a investigação sobre o caso.

"Cada vez mais as propostas da direita e da esquerda se parecem no Chile no que diz respeito à economia e ao projeto de desenvolvimento para o país", explica o cientista político Guillermo Holzmann, da Universidade do Chile. "Ao recuperar as lembranças da ditadura, portanto, o que a esquerda tenta fazer é acentuar novamente as diferenças."

Enquanto Pinochet governava o Chile, Piñera começava a construir seu império de US$ 1,2 bilhão, que arrancou com uma construtora e hoje é dono da companhia aérea Lan e de parte do time de futebol Colo-Colo. Seu pai foi um dos fundadores do Partido Democrata- Cristão, que hoje integra a Concertação, mas seu irmão, José, foi ministro de Pinochet.

Já o jovem candidato independente e terceiro colocado na votação, Marcos Enríquez-Ominami, por exemplo, teve o pai morto quando tinha 5 meses. O médico Miguel Enríquez era líder do Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR, na sigla em espanhol) e chegou a ser uma das figuras mais procuradas pelo regime antes de ser executado num tiroteio com agentes da Direção de Inteligência Nacional (Dina).

O pai da própria presidente Michelle Bachelet, o brigadeiro Alberto Bachelet, morreu de ataque cardíaco na prisão em 1974 na prisão, após se opor ao golpe. Bachelet chegou a ser presa e torturada com a mãe e teve de se exilar na Alemanha Oriental.

NOS TEMPOS DE PINOCHET

Marcos Enríquez Ominami - Terceiro colocado nas pesquisas teve o pai, líder do radical Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR), executado por agentes da polícia política da ditadura de Pinochet. Na época, o candidato tinha apenas 5 meses

Eduardo Frei Ruiz-Tagle - Seu pai, Eduardo Frei Montalva, antecessor de Salvador Allende, foi um dos principais líderes da resistência à ditadura de Pinochet. Nesta semana , a Justiça chilena concluiu que a morte de Frei Montalva em 1982 - após complicações de uma cirurgia relativamente simples - não foi natural. Ele teria sido envenenado no hospital

Sebastián Piñera - Começou a erguer seu império empresarial durante a ditadura, da qual seu irmão, José, foi ministro

Michelle Bachelet - Seu pai, o brigadeiro Alberto Bachelet, morreu na prisão em 1974. A atual presidente foi torturada e obrigada a exilar-se