Título: Controle versus democratização
Autor: Vignatti, Cláudio
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2009, Espaço aberto, p. A2

A resolução aprovada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), convocada pelo governo federal, contempla reivindicações históricas dos movimentos sociais brasileiros que visam a democratizar os meios de comunicação e o acesso a conteúdos, enquanto direito do cidadão. Mas se contradiz quando fala em controles público e social. A resolução do PT teria de ter deixado claro que a 1ª Confecom não poderá permitir enredar-se por nenhuma tendência de controle autoritário de meios e conteúdos por quem quer que seja, muito menos permitir acentuar ou recrudescer controles autoritários pelo Estado. Esse talvez seja o maior desafio do debate.

É importante ressaltar que desde 2003 o governo realizou 57 conferências para debater os mais variados temas de interesse público. Uma iniciativa que faz parte do diálogo permanente do governo com a sociedade para facilitar os avanços no processo de democratização do País.

A tecnologia que ocasionou a convergência de meios e conteúdos cada vez mais se afirma como processo irreversível e o novo marco regulatório deve ser pautado não apenas para impedir a concentração, mas sobretudo para ampliar os direitos dos cidadãos e sua defesa quanto a abusos praticados pela grande mídia. Isso não foi devidamente valorizado na resolução. As mudanças tecnológicas já apresentam resultados concretos de desconcentração, mesmo com o atual modelo, que carece de correções.

Outro aspecto que não mereceu relevância na resolução foi o fato de que crescem no País, por exemplo, as mídias regionais, o interesse por conteúdos locais, ao tempo que se observa um recuo das mídias nacionais, representadas pelos grandes grupos concentrados no Sul e no Sudeste. Trata-se de um alvissareiro processo de convergência contínua e progressiva. A 1ª Confecom precisa debater a mídia regional, porque o Brasil cresce no interior, não só nos grandes centros.

A área da comunicação foi, sem dúvida, a que sofreu maiores transformações no mundo, desde o início da terceira revolução tecnológica, principalmente com o advento da digitalização, entre outras inovações. Multiplicou-se a produção de conteúdos e emergiu um notável cenário tecnológico de difusão cultural. Daí a necessidade das reformas para adequação do sistema de comunicação contemporâneo à garantia do direito fundamental do cidadão à informação, à pluralidade e à diversidade cultural. Tal direito, além de sua feição humana inscrita em resolução da ONU, da qual o Brasil é signatário, está ordenado também na nossa Constituição da República.

Positivamente, a resolução aprovada pelo PT reafirma esses direitos e aponta a vigência de elevada concentração dos meios de comunicação privados, frequentemente em associação com grupos estrangeiros, com seus interesses comerciais - enquanto entrave ao processo de democratização e de desenvolvimento do País. Afinal, somos uma nação em movimento, na busca da superação de profundas desigualdades sociais, econômicas, culturais, políticas e regionais e de afirmação da democracia. Nessas circunstâncias, cabe ao Estado prover e afiançar a democratização do sistema de comunicação e do acesso irrestrito aos conteúdos a todos os cidadãos, para o seu desenvolvimento - com definição de políticas públicas elaboradas com a livre participação da sociedade e de suas instituições democráticas. Porém essa participação da sociedade é inconciliável com instâncias de controle em que prevaleça a censura - contradição fundamental da democracia.

Na resolução consta a necessidade de "criação de instâncias regulatórias que garantam a participação popular na formulação das políticas do setor e na avaliação das outorgas de comunicação, com mecanismos que impeçam a reprodução dos aspectos autoritários do sistema atual". Certamente a participação da sociedade no tocante a debate das políticas públicas já é fato no atual estágio de democratização do País. Nesse sentido, não há como admitir o controle de meios e conteúdos alinhados a tendências internacionais tanto pelo setor privado quanto pelo setor público.

No contraponto, evidenciam-se a necessidade de remoção do arcabouço legal vigente, de privilégios de grupos privados, assegurando-se a igualdade de condições de participação no âmbito do sistema de comunicação; a criação de mecanismos de acesso aos meios de produção e consumo da informação, do conhecimento e da cultura enquanto garantia do direito à comunicação; a universalização de todos os serviços de comunicação (TV, rádio, cabo, telefone, internet, impressos) em condições isonômicas. Precisamos avançar no rumo do provimento de meios e conteúdos para garantir o acesso a todos.

No tocante aos abusos, há que criar regras que reforcem, sobretudo, a defesa do cidadão em contraponto ao poder das mídias e seus mecanismos de manipulação da sociedade quanto aos rumos que convêm ao poder econômico - mediante as distorções frequentemente verificadas na produção da notícia, em aberta ofensa à integridade da pessoa humana.

Não obstante os avanços conquistados, ainda se faz distante um sistema de comunicação que atenda ao interesse público e às necessidades do desenvolvimento. A 1ª Confecom é um passo significativo no processo de diálogo e construção da democracia, mas todo o cuidado é pouco para não incorrer em erros que venham cercear a liberdade de imprensa, de pensamento e de produção e veiculação de conteúdos.

Desse modo, trata-se de combater a constituição de grupos para controlar grupos e a escalada da concentração na área da comunicação - sob a premissa da luta pela liberdade e igualdade.

Claudio Vignatti, deputado federal (PT-SC), presidente da Comissão de Finanças e Tributação, foi presidente da Frente Parlamentar da Mídia Regional