Título: O Tesouro e o BNDES
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2009, Notas e informações, p. A3
O Tesouro Nacional não fabrica recursos, mas pode fabricar crise fiscal e inflação, gastando sem controle, financiando os bancos estatais e endividando-se para sustentar os desembolsos. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou nesta semana a concessão de mais R$ 80 bilhões para o BNDES. O objetivo é garantir ao banco dinheiro suficiente para financiar os grandes programas de investimento previstos para o próximo ano. Na ocasião, o ministro contou ter sido chamado de mão de vaca pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente, segundo Mantega, desejava mais dinheiro para os empresários dispostos a investir. Mas o Ministério ? este era o sentido implícito do comentário ? preferiu, em nome da prudência, fazer menos do que desejava o chefe do governo. A declaração do ministro foi mera retórica. De fato, esse novo empréstimo ao banco é mais um motivo de temor para quem se preocupa com as contas do governo.
A crescente participação do Tesouro no suprimento de recursos para o BNDES é perigosa para as finanças públicas e, portanto, para a estabilidade da economia. É mais um exemplo de voluntarismo na condução da política econômica.
O gabinete presidencial é cada vez mais abertamente o centro de comando não só da Petrobrás, mas também dos bancos federais. O presidente da República amoldou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a seus objetivos políticos. A compra de participações minoritárias em instituições privadas ? incluído um banco em dificuldades ? é consequência desse estilo de administração. Os bancos públicos transformaram-se em bancos do rei, para realizar políticas de acordo com as prioridades e critérios definidos pela coroa. A mesma concepção converteu a Petrobrás em instrumento de política industrial.
Um papel especial cabe ao BNDES, nesse esquema de política voluntarista e centralizada. Provavelmente o banco ainda será por muitos anos o canal mais importante de crédito de longo prazo. Manterá, portanto, a função de principal fornecedor de empréstimos para investimentos. Mas as fontes tradicionais de recursos têm sido insuficientes para os programas do BNDES.
O Fundo de Amparo ao Trabalhador forneceu ao banco enormes volumes de dinheiro nos últimos anos. Neste ano, entrou com R$ 9,5 bilhões. As instituições multilaterais, como o Banco Mundial e o BID, não têm condições de atender às necessidades da economia brasileira. O BNDES também não pode depender do retorno de suas operações para sustentar a expansão dos financiamentos.
A solução encontrada pelo governo foi a participação do Tesouro no fornecimento de recursos para o banco. Neste ano, a contribuição chegou a R$ 100 bilhões. Escolheu-se o caminho mais fácil, de imediato. Seria mais complicado trabalhar na criação de outros canais de mobilização de poupança.
Só agora se completam as providências para a criação de letras financeiras destinadas a proporcionar funding de longo prazo aos bancos. Se a iniciativa der certo, os bancos privados poderão assumir um papel maior no financiamento de projetos do setor produtivo, mas essa, por enquanto, é apenas uma hipótese otimista. O governo também poderia ter sido mais austero na seleção de prioridades e na definição dos objetivos do BNDES e dos demais bancos públicos, mas isso exigiria maior racionalidade e menor grau de voluntarismo. Sobrou a solução mais simples e mais arriscada. Na prática, o Tesouro Nacional assume funções de financiador de empresas e para isso se endivida. Não tem alternativa, porque o Orçamento federal é deficitário. Quando o Tesouro assume essa função, põe em risco a própria saúde financeira e a estabilidade monetária.
Uma aventura semelhante permitiu ao Banco do Brasil (BB) transformar-se, na segunda metade dos anos 70, na oitava maior instituição de crédito do mundo. A Lei Complementar nº 12 havia autorizado o endividamento do Tesouro para o suprimento de recursos ao BB por meio da chamada conta de movimento. O resultado foi uma espantosa baderna. A extinção dessa conta, nos anos 80, foi um passo importante para a reordenação da vida fiscal e financeira do Brasil. O voluntarismo do governo contém uma grave ameaça de retrocesso.