Título: Os desafios de um novo sistema
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2009, Metrópole, p. C4

A municipalização do atendimento das medidas socioeducativas em meio aberto é devida em razão da lei, que assim o determina. A ideia básica é a de que no local em que vive o adolescente e sua família, e com os recursos sociais ali existentes, o atendimento tende a ser mais consistente e integrado. Assim, melhoram as condições de promoção dos direitos do jovem, com o que se facilita a integração social. Logo, ganha a segurança pública, que não se garante com repressão e exclusão social.

Não se trata de entregar os serviços aos municípios. A ideia é executar todos os serviços nos municípios, e mais precisamente no espaço em que se organiza a vida do adolescente. Neste espaço devem atuar União, Estado e municípios, bem como a sociedade civil, o adolescente e sua família, cada qual na esfera de suas atribuições e sem renúncia de responsabilidades. Se o atendimento do garoto demanda inclusão na rede de ensino fundamental, é o Estado que vai atuar no espaço do município.

No Estado de São Paulo, o processo de municipalização impõe grandes desafios, tendo em vista o gigantismo do sistema de atendimento e o elevado e delicado nível de privação de direitos que acomete os adolescentes em conflito com a lei.

Não pode haver descontinuidade nos serviços, pois interrupções e alterações de qualidade do atendimento têm graves reflexos no cotidiano da garotada e desmotivam. Desse modo, não pode haver prazo para o Estado se retirar de cena, e nem espaço para disputas de responsabilidades por erros e fracassos entre as esferas de governo.

O atendimento existente é ruim, dada a forma centralizada, padronizada e hierarquizada com que é prestado pelo Estado. Não se trata de vício de um governo, mas de problema estrutural. Assim, o processo de transferência não pode ter como meta a simples transferência e descentralização do modelo existente. Cada município, dentro dos parâmetros das políticas públicas estabelecidas, e de modo integrado com os demais atores, deve definir seu sistema de atendimento.

(...) A municipalização é mais do que aparenta. Ela significa ruptura de um modelo anacrônico de organização do atendimento em torno da internação, para a qual tudo converge. Não por acaso nosso sistema nasceu e cresceu em torno da Febem, para a qual as medidas em meio aberto serviram e servem de rito de passagem. Ao municipalizar, é imperativo abandonar o modelo Febem.

Precisa-se mudar mentalidades. A internação não é a rainha das medidas socioeducativas. A aplicação de medidas em meio aberto é imperativo legal e de política pública, e não uma chance que se dá, ou demonstração de magnanimidade do juiz e do promotor. (...) Mas estaremos nós, os adultos, prontos para a municipalização?

*Presidente da Associação Juízes para a Democracia e da Comissão de Infância do IBCCrim