Título: Jogo de empurra das agências
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/12/2009, Notas e informações, p. A3

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) anunciou, terça-feira, o adiamento da 11ª Rodada de Licitações, que deveria ser realizada neste ano. Simultaneamente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou o cancelamento do leilão de energia nova, marcado inicialmente para o dia 18 e remarcado para dia 21 próximo. Nos dois casos, há um jogo de empurra: as agências reguladoras ignoram obrigações elementares, deixam de conferir previsibilidade aos leilões e pretendem transferir para terceiros o que é de sua estrita responsabilidade.

Desde que vige a Lei do Petróleo, de 1997, a ANP realiza leilões anuais em que os investidores já pagaram mais de R$ 5 bilhões em bônus de assinatura e comprometeram-se a investir mais de US$ 20 bilhões. Mas a 8ª Rodada, de 2007, interrompida por decisão judicial, ainda não foi concluída. E, terça-feira, em reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), foi anunciado que a ANP pediu a retirada de pauta da 11ª Rodada. Explicações vagas foram dadas pelo secretário executivo do Ministério de Minas e Energia (MME), Marcio Zimmermann, de que cerca da metade das áreas que seriam licitadas - no caso, 70 mil km² da Bacia do Solimões, no Amazonas - teria de ser retirada do leilão, porque não foram cumpridos os pré-requisitos ambientais.

Explicação semelhante foi dada pela Aneel para suspender o leilão de energia A-5 (para geração de eletricidade a partir de 2014), sob a alegação de que apenas uma usina, a de Santo Antonio do Jari - de um total de sete projetos de aproveitamento hidrelétrico -, recebeu licença ambiental.

Nos dois casos, as agências reguladoras não fizeram o que lhes compete. Leilões de concessão de áreas de petróleo e gás ou de aproveitamentos hídricos só podem entrar na pauta do CNPE ou ter data marcada para a realização depois de obtida a licença ambiental.

Foi o que explicou, ao pedir demissão do cargo de coordenador-geral de Infraestrutura de Energia Elétrica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), Leozildo Tabajara da Silva Benjamin, em entrevista ao Estado de domingo passado. "A condição para ter o leilão é ter primeiro a licença, e já quiseram colocar o leilão na frente da licença", declarou ele, denunciando as pressões recebidas do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, para apressar o licenciamento da Usina de Belo Monte.

Se a licença for mal justificada, notou Leozildo, os técnicos correm o risco de sofrer ações judiciais. Por exemplo, o coordenador substituto da área específica de energia "já está com processo movido pelo Ministério Público, que a Justiça acatou", disse ele, explicando: "Esse servidor, que faz parte da equipe de Belo Monte, está respondendo a processo única e exclusivamente porque a procuradoria achou que ele disponibilizou o estudo para a população. O detalhe é que nenhum desses (ministros) que estão se arvorando a dizer o dia em que sai a licença será processado."

Mais importante do que discutir se as exigências ambientais são exorbitantes é impedir que as agências reguladoras transfiram para os órgãos ambientais a responsabilidade pelo atraso dos leilões. Às agências compete criar um ambiente de estabilidade para os investimentos, nacionais e estrangeiros, sobretudo em infraestrutura, onde maiores são as carências que retardam o desenvolvimento econômico do País.

A ANP, por exemplo, terá papel decisivo na aplicação do novo marco regulatório do petróleo, em discussão no Congresso Nacional, num momento em que grandes investidores em petróleo e gás, como a Devon norte-americana, a ENI italiana e, provavelmente, também a Gás Brasiliano espanhola, estão deixando o Brasil. É possível que a fuga de investidores, além de significar mera realocação de portfólio, como interpreta o presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, se deva à falta de segurança regulatória.

Promover leilões de concessão de áreas de petróleo ou de usinas elétricas é responsabilidade das agências. Mas elas não podem deixar de cumprir o dever elementar de só marcar um leilão depois de atendidos os requisitos ambientais.