Título: De Juscelino Kubitschek a Jango, uma vida ligada ao poder
Autor: Mendes, Vannildo
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2009, Nacional, p. A10

Estilo impetuoso levou-o à prisão, durante julgamento de comunistas em tribunal militar do Recife, por acusação de desrespeitar Forças Armadas

O livro sobre o marajá brasileiro tem passagens divertidas e traz uma pesquisa sobre os episódios importantes da história política do Brasil, dos quais Mendes de Barros foi protagonista. Ele desfrutou da admiração do ex-presidente Juscelino Kubitschek, trocou confabulações com "o rei do Brasil" Assis Chateaubriand, criador dos Diários Associados, sobre a implantação da TV Tupi e manteve relacionamento afetuoso com o ex-presidente João Goulart, a quem acompanhou, como assessor especial, em viagens ao exterior.

Barros conta no livro que chegou a pensar em se integrar na resistência da legalidade contra o golpe militar, em 1964, mas o plano malogrou com a decisão de Jango se exilar no exterior. Por contingência do destino, tornou-se em 1958, aos 23 anos, o deputado estadual mais jovem de Alagoas. Um ano antes, seu tio, o deputado Humberto Mendes, fora morto a disparos de metralhadora, no memorável tiroteio desencadeado na Assembleia Legislativa, em 1957, na votação do impeachment do governador Muniz Falcão.

Os parlamentares, divididos no plenário em trincheiras pró e contra o impeachment, foram para a sessão fortemente armados. O resultado foi devastador. Além de Humberto, sogro do governador e líder da facção contra o impeachment, morto a tiros, vários parlamentares e funcionários saíram feridos.

Um dos atingidos foi o jovem repórter Márcio Moreira Alves, do jornal carioca Correio da Manhã, que fora a Alagoas cobrir o primeiro caso de impeachment de um governador no País. Ferido a bala, Alves conseguiu escrever a mão, na UTI do hospital, um relato dramático do tiroteio e sua reportagem ganhou o Prêmio Esso de 1958. Anos mais tarde, eleito deputado federal pelo MDB, Alves foi autor do célebre discurso contra o regime militar, em 1968, que desencadeou o AI-5 e a cassação de parlamentares.

NEPOTISMO

Oriundo da base eleitoral de Palmeira dos Índios, onde o clã Mendes exercia seu poder, Humberto era pai do prefeito da cidade e da mulher do governador. Naquela eleição, passou a vigorar cláusula antinepotismo que proibia parentes diretos de dirigentes do Executivo de disputar o pleito. Recém-formado em direito no Recife, Barros visitava os parentes em Palmeira, quando recebeu o convite do primo Robson para representar o clã na Assembleia.

Alagoas tem um histórico arraigado de violência política, pontilhada pela ação de coronéis truculentos, que dividem o Estado em "currais eleitorais". Esse ambiente ficou particularmente carregado na eleição de 1958, por causa das querelas do impeachment, ainda acesas.

Barros fez a campanha armado e protegido por seguranças. A eleição estava próxima e, para complicar, foi acometido de catapora. A rigor, ele fez 30 dias de campanha e mesmo assim foi eleito, em parte pelo seu discurso de renovação e em parte por se beneficiar dos métodos fisiológicos do clã.

TEMPERAMENTO

Mordaz nos comentários e nos atos, Barros afrontava poderosos com tiradas cortantes, mas também se refestelava com eles em rega-bofes da província.

A carreira política acabou cedo por causa do seu temperamento explosivo e da falta de jogo de cintura. Mas, profundo conhecedor das leis e dos meandros do processo legislativo, ele acabou ocupando espaço de poder maior do que muitos parlamentares. Usou esse poder para engordar os próprios vencimentos.

Como advogado, Barros tinha estilo impetuoso, mesmo quando defendia presos políticos em tribunais da ditadura militar.

Em uma ocasião, ele acabou preso no lugar dos clientes, os comunistas Zito Cabral e Rubens Collaço, que respondiam processo por subversão, na Justiça Militar do Recife. Enquanto aguardava no auditório o início do julgamento, Barros não resistiu quando ouviu o auditor militar defender o abuso cometido contra um pai que fora preso em casa no lugar do filho, porque este não se encontrava na ocasião. "Já perceberam que vocês vão ser julgados por um imbecil!", comentou.

Na fileira de trás, um coronel do Exército ouviu o comentário e, de dedo em riste, lhe deu voz de prisão por desrespeito às Forças Armadas. "Agora é que estamos ferrados de vez", comentaram os réus, atônitos.