Título: Mudanças climáticas e agricultura
Autor: Paulinelli, Alysson ; Licio, Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2009, Economia, p. B2

No dia 9/3/2009 publicávamos um artigo neste espaço (Mudanças Climáticas e Biocombustíveis) em que chamávamos a atenção para a "enorme rigidez" para alterar a matriz energética mundial de fontes "sujas" - petróleo, 34%; carvão, 26%; gás natural, 21% - para "limpas" - nuclear, 6,2%; hidrelétrica, 2,2%; e biomassa (lenha e biocombustíveis), 10,1% (fonte: AIE). Nos grandes países emergentes - Índia e China - e nos EUA só restarão fontes imundas de carvão mineral no futuro. Tem ficado claro nas reuniões que precederam a COP15 e na própria Copenhague (14-18/12/2009) que essa situação não se modificará e que os grandes poluidores - EUA, China e Índia - não estão dispostos a abrir mão de crescimento econômico presente em nome do meio ambiente futuro.

Os EUA sugerem redução de emissões de ridículos 4% (base 1990) para 2020. A China promete redução para 40% do PIB - continuará a emitir pesadamente - e a Índia diz que metade de sua população de 1 bilhão de pessoas não tem acesso a energia elétrica e não será justo impedi-los de ter acesso a essa energia, cuja fonte será o carvão mineral.

Aduzíamos, ainda, que o petróleo, principal fonte de energia para transportes, nos oferece o seguinte dilema: ou se extingue na metade deste século - prognóstico unânime entre os especialistas -, e nesse caso o problema climático estará resolvido, ou continuará "sujando" a matriz. Em qualquer um dos casos há que se viabilizar substitutos, entre os quais despontam os biocombustíveis, "curiosamente pouco estudados, tratados mesmo por alguns desinformados como inviáveis como solução de larga escala".

A Conferência Mundial de Alimentação da FAO em Roma (16-20/11/2009) assustou o mundo quando essa organização declarou a existência de 1 bilhão de pessoas em situação de subnutrição. Pior, até 2030 será agregado outro bilhão de pessoas à população atual. Serão, pois, 2 bilhões de pessoas a mais na demanda internacional por alimentos e biocombustíveis. Será suportável?

A resposta não é direta, mas há indicadores: 1) a fronteira agrícola-alimentar mundial está esgotada, exceto nos cerrados brasileiros e em alguns poucos pontos da África meridional; 2) o boom tecnológico que permeou o crescimento da produtividade agrícola desde os anos 60 (as "revoluções verdes") dá inequívocos sinais de arrefecimento (vide USDA Global Agriculture Supply & Demand & Prices, 2008); 3) a pressão ambiental para a preservação das florestas tropicais e, recentemente, dos cerrados poderá limitar a disponibilidade de terras para a produção de alimentos e biocombustíveis; 4) nas florestas tropicais úmidas, impróprias para a produção de alimentos, há espaço para o biodiesel; e 5) algumas novas tecnologias poderão mitigar no futuro a pressão por espaço, como a transgenia e a integração lavoura-pecuária.

Um hectare de cerrado pode alimentar, em condições de dieta mínima - arroz-com-feijão, 2 mil calorias/dia -, de 15 a 25 pessoas por ano, dependendo da tecnologia, irrigação, dupla safra, etc. (memória de cálculos incabível neste espaço), ou produzir 7 mil litros de etanol. Dois bilhões de pessoas requereriam cerca de 100 milhões de hectares novos em produção, que é o número aceito como disponível nos cerrados, entre áreas virgens e pastagens subutilizadas. Este é o custo de oportunidade da preservação dos cerrados: alimentos para 2 bilhões de pessoas ou 700 bilhões de litros de etanol. Curiosamente, ou deliberadamente, esse custo é omitido nos debates ambientais atuais.

Finalmente, está-se tornando uma "mentira goebbeliana" a questão das emissões de CO2 oriundas de queimadas, sejam da Amazônia, de cerrados, plantas nativas ou cultivadas. Embora qualquer estudante de ensino médio saiba que, no processo de crescimento, a planta absorve CO2 e libera oxigênio via fotossíntese, alguns insistem em classificar o carbono liberado como contribuição ao efeito estufa. Ora, esse carbono liberado na queimada foi absorvido pela planta no passado, mesmo que tenha sido há 250 anos, no início da revolução industrial e das grandes emissões.

Embora não se advoguem queimadas, a verdade é que, ao queimar a planta, a contabilidade das emissões se anula.

*Alysson Paulinelli, engenheiro agrônomo, consultor, detentor do Prêmio World Food Prize 2008, foi ministro da Agricultura (1974-79). Antonio Licio, economista, Ph.D., consultor, foi diretor do Ministério da Agricultura