Título: Lula tem a caneta na mão e pode dar a opinião dele
Autor: Tereza, Irany ; Ciarelli, Mônica
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2009, Negocios, p. B14

Para Sérgio Rosa, críticas feitas pelo presidente à gestão da Vale este ano não foram uma ingerência na empresa

Entrevista Sérgio Rosa: Presidente da Previ

Quem é: Sérgio Rosa

Formado em Jornalismo pela USP

Foi vereador em São Paulo (1995/1996) e presidente da Confederação Nacional dos Bancários (entre 1994 e 2000)

Está na diretoria da Previ desde 2000, e ocupa a presidência desde 2003

O patrimônio do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, o Previ - que bateu R$ 140 bilhões no fim de 2007 e caiu para R$ 117 bilhões sob os efeitos da crise - chega ao fim de 2009 na casa de R$ 135 bilhões. Uma recuperação surpreendente para um ano igualmente surpreendente, na opinião do presidente do fundo, Sérgio Rosa. Em entrevista à Agência Estado, o executivo comentou os fatos que marcaram o ano, inclusive da polêmica envolvendo a proposta de compra de parte do bloco de controle da Vale pelo empresário Eike Batista. "Não houve proposta formal", conta. Rosa, que também é presidente do conselho de administração da Vale, defendeu a posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que repetidamente criticou a gestão da companhia. Para ele, outros governos fazem o mesmo - como o australiano, onde estão as principais concorrentes da mineradora brasileira. E afirma que não há pressão do governo por mudanças na companhia. "O governo tem a caneta na mão para aumentar tributos, criar restrições, taxar a exportação de minério, se quiser. Pode fazer. Não teve nenhuma medida de retaliação, a não ser a opinião expressa do presidente. Podemos gostar não gostar da opinião do presidente, mas, dizer que ele não pode falar o que ele acha..." A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como foi o ano de 2009 para a Previ?

Sinceramente, no início do ano nos preparamos para o pior, sobretudo em termos de buscar liquidez para pagar os benefícios. Temos obrigação no Plano 1 de pagar algo em torno de R$ 6 bilhões de benefícios por ano. Tínhamos um dilema sobre quais ações e quando vender para pagar esses benefícios. Tivemos de lidar um pouco com um cenário de estresse.

Chegaram a vender ações em baixa?

Vendemos. Não podíamos deixar para vender tudo no final do ano. Vendemos um volume razoavelmente pequeno. Logicamente, depois, quando o mercado voltou a se recuperar, reorganizamos isso. Mas, no primeiro semestre fizemos algumas vendas de ações selecionadas para dar conta do pagamento de benefícios.

Quanto foi vendido no primeiro semestre?

Cerca de R$ 1 bilhão. O total do orçamento deste ano era vender R$ 3 bilhões. Vendemos os outros R$ 2 bilhões em condições de mercado melhor. Precisamos fazer isso. No plano 1 nós não temos mais contribuição, então, não entra dinheiro novo aqui, só o rendimento, o dividendo, que tem dado uma média de R$ 2,4 bilhões. Recebemos mais R$ 500 milhões de aluguéis por ano. No ano passado, nosso patrimônio foi de R$ 117 bilhões. Chegou a mais de R$ 140 bilhões no final de 2007. Entre 2000 e 2008 pagamos quase R$ 12 bilhões de benefícios. Então, voltar ao mesmo patamar ou quase ao mesmo patamar é fantástico.

O governo ampliou o limite geral de exposição em bolsa de 50% para 70% do patrimônio. A Previ está totalmente enquadrada?

Não. Há desenquadramentos pontuais, como o da Vale, onde temos mais de 10% do nosso patrimônio aplicados na empresa. O enquadramento, nesse caso, é mais complicado. É um ativo muito rentável, uma empresa de baixo risco, e a gente não imagina sair da posição toda da Vale, a não ser por uma oferta muito vantajosa.

O empresário Eike Batista chegou em algum momento a fazer uma oferta pela Vale?

Não, em nenhum momento ele fez uma oferta objetiva. Ele esteve aqui, conversou sobre as intenções gerais, indicou que estaria buscando alguma negociação com a Bradespar, mas em nenhum momento fez oferta pela participação da Previ.

Pareceu que já estava certa a compra, ou da participação da Bradespar ou da Previ.

As matérias que saíram nos jornais deram esse indicativo, mas eu já falei várias vezes que não.

Ele falou da intenção de te colocar na presidência da Vale?

Não, de jeito nenhum (rindo). Isso ele falou só ao Estadão.

Não seria difícil um presidente da Previ sair para presidir uma empresa como essa, seria?

Não sei (rindo). Não posso falar sobre esse assunto.

O que o sr. vai fazer quando terminar o mandato, em maio?

Não sei, vou estar de férias. Vou ser jornalista, concorrer com vocês (risos).

Quando a Previ entrou na Vale, qual era a relação com o patrimônio?

Ela representava 2,5% do patrimônio. Em quatro momentos diferentes a gente acompanhou operações internas da Vale e elevou a participação.

A não ser que o patrimônio da Previ cresça extraordinariamente, a Previ terá mesmo de vender uma parte?

Em algum momento, sim.

Como seria uma operação dessas? Em quanto tempo isso é decidido?

Não tem prazo para uma decisão dessas ser tomada. Ela fica à espera de uma oportunidade certa. Embora exista um prazo, mesmo o limite de 2014 está sujeito a se ter, nesse intervalo de tempo, uma boa oferta. Enquanto gestores, temos de atender às questões legais, mas também às questões de economicidade, de razoabilidade das coisas. Se eu tivesse necessidade de vender para pagar benefícios, tudo bem. Mas tenho outros ativos para vender. Posso lidar com o tempo e aguardar uma oferta e uma condição adequada de venda.

Esse prazo de 2014 pode ser estendido?

Sempre existe (a possibilidade). Aí funciona a lógica do explicar e demonstrar que situação se tem. Pode até haver mudança na legislação, o legislador pode estar sensível a entender a situação específica. Temos um superávit muito significativo no Plano 1, então o risco de estar desenquadrado fica mitigado por essa situação de superávit. Temos uma exposição maior num ativo, mas também temos folga maior no plano. As mudanças na legislação vêm ocorrendo. Nessa nova norma, por exemplo, já há uma previsão de que o desenquadramento, se for correspondente ao superávit, pode ser carregado por mais tempo. Vem ocorrendo uma mudança paulatina. Temos bastante flexibilidade para aguardar o momento ideal.

Como o sr. avalia o cenário para 2010?

As coisas foram muito surpreendentes nesse período 2008/2009. A capacidade de fazer projeções é muito limitada. Na economia brasileira, eu acho que existem inúmeros fatores apontando para um cenário positivo, sustentando a ideia que a gente possa crescer 5% ou mais (em 2010). Uma coisa vem se sustentando, que é o aumento da renda dos trabalhadores, com criação de emprego e aumento da renda média.

E a Vale foi criticada por demitir no auge da crise. As demissões foram votadas no conselho?

Demissão não é votada no conselho. Tivemos conhecimento, mas não é uma questão votada. Essa é até uma questão de menos importância. Formalmente, toda a gestão de pessoas tem diretrizes gerais aprovadas no conselho. Mas, a execução, quem contrata, quem demite, quem negocia acordos salariais é a diretoria executiva. Óbvio, que o conselho compartilha, na forma de comunicados, de uma visão geral das coisas.

Foi precipitada a demissão dos funcionários?

Talvez tenha sido. Mas, acho que isso ficou para trás. Foi uma crise de dimensões bastante significativas, sobretudo no nível mundial. Todo mundo reagiu sob impacto disso, sob impacto da incerteza, de uma crise desconhecida no período recente. A eficácia dos planos de recuperação adotados pelos governos era de uma incerteza enorme. Ou seja, ninguém tinha certeza se os planos iam funcionar, quanto mais de dinheiro seria necessário injetar na economia.

O corte de investimentos também não é votado pelo conselho?

O corte de investimentos, sim. Faz parte do orçamento, do plano estratégico, tudo isso é matéria de aprovação no conselho. A Vale hoje voltou a planejar investimento recorde para os próximos anos. E já voltou a vender praticamente toda a capacidade de produção. Aconteceu uma situação na China que também foi inusitada. Primeiro, a China jogou lá para baixo a demanda por minério de ferro, consumiu todo o estoque que tinha. Como se vai ter certeza do estoque interno da China? Não se tem informação aberta sobre essas coisas. Eles começaram a jogar pesado, pedindo descontos de 60% no preço. O jogo foi pesado. Eles suspenderam pedidos, só compravam no mercado spot. As autoridades chinesas, que falam em nome da siderurgia, começaram a colocar uma grande pressão para reduzir o preço do minério.

O sr. fala da ingerência da China nas empresas. Essa ingerência do presidente Lula (na Vale) não atrapalha?

Não vejo as coisas desse tamanho. Primeiro, não há governo no mundo inteiro que não fale da sua economia e das principais empresas que estão no seu país. Entre o governo manifestar uma visão sobre a economia, sobre empresas ou setores, e chamar isso de ingerência vai uma distância enorme.

Mas é o peso do presidente...

Tem impacto na opinião pública, um impacto na imprensa, talvez, muito maior do que na vida real das coisas.

E qual empresa quer desagradar um presidente?

Ninguém quer desagradar. Daí dizer que o que ele fala cria uma ingerência na empresa, é outra coisa. A Austrália não deixou os chineses comprarem 14% da Rio Tinto. Protegeu as duas empresas (BHP e Rio Tinto) que agora fizeram um acordo operacional para gestão do minério de ferro. Você acha que não teve ingerência nas decisões que a Rio Tinto e a BHP tomaram?

Mas o Lula falar que quer a Vale investindo em siderurgia não é ingerência? Não teve ingerência nesse plano de US$ 12 bilhões da Vale?

Não teve. Não teve nenhum projeto diferente do que já tinha sido feito desde antes. Vamos pegar outro setor para ver o que a gente pode chamar de ingerência e ver se isso é negativo ou positivo. O setor naval brasileiro, que já tinha acabado, uma indústria que foi a segunda maior do mundo. Aí o presidente falou: "Queremos construir navios". Então, nós vamos pegar a Petrobrás e vamos chamar os empresários. Isso é uma ingerência do presidente? É. Está recriando uma indústria naval.

A Petrobrás é estatal...

Mas, não foi só incluir no plano de estratégico da Petrobrás, foi chamar os empresários, dar linha de crédito do BNDES, induzir a economia privada, com uma combinação de estímulos, de cobranças, e a gente está recriando um setor industrial no Brasil. Quando o Lula falou: "Não consigo entender que a gente exporte minério e não faça aço aqui", do ponto de vista macroeconômico, faz sentido. Não seria melhor exportar produto industrializado do que soja? Acho que isso faz sentido para toda e qualquer economia, agregar valor.

Não foi o que aparentou...

Às vezes, o impacto das matérias no jornal é muito maior do que a realidade. Não teve uma medida, uma mudança de legislação, uma retaliação. O governo tem a caneta na mão para aumentar tributos, criar restrições, taxar a exportação de minério se quiser. O governo tem caneta na mão para isso. Pode fazer. Não teve nenhuma medida de retaliação, a não ser a opinião expressa do presidente. Podemos gostar ou não gostar da opinião do presidente. Mas, dizer que ele não pode falar o que ele acha...

Na época se falou que a Previ e o BNDES poderiam se juntar para mudar a diretoria da Vale, como representantes do governo. Isso seria possível?

Sim. Os maiores acionistas de uma empresa, os acionistas controladores, podem mudar a diretoria.

Isso chegou a ser falado?

Não, não chegou a ser falado e não chegou a ser feito.

Mas chegou a ser discutido?

O que aconteceu foi a expressão de opinião do governo sobre o que ele entendia ser o mais adequado para a economia brasileira, que tem uma grande vantagem competitiva, com excelentes reservas de minério de ferro. O governo acha melhor que isso fosse transformado em aço do que exportado como minério bruto.