Título: A energia para a reforma da Previdência
Autor: Zylberstajn, Hélio
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/2009, Espaço aberto, p. A2
Todo mundo sabe que a Previdência tem um limite. Se a Previdência quebrar, vai ser ruim para todos os brasileiros" Presidente Lula, no café da manhã com jornalistas em 21/12
Custou, mas até o presidente Lula admitiu: o País está exagerando nos gastos com aposentadorias e pensões. Hoje elas custam nada menos que 12% do produto interno bruto (PIB). De cada R$ 3 que arrecadamos com impostos e contribuições, R$ 1 vai para esse item da despesa. Não é preciso ser especialista em finanças públicas para saber que é demais. E com o envelhecimento da população o gasto tende a crescer mais rapidamente do que o PIB e a arrecadação. O cenário da Previdência é sombrio, compromete a saúde fiscal do País e limita a capacidade de investimento do Estado. Para assegurar um futuro melhor para os nossos filhos e netos é preciso reformar nosso modelo de Previdência Social.
O problema não é novo. O gargalo da Previdência tem atrapalhado as sucessivas administrações, desde o início dos anos 1990. Mas, até hoje, tem sido enfrentado com uma sucessão de medidas superficiais, que não contemplaram suas causas. Nossos governantes têm consciência da gravidade e da extensão do problema, mas não têm sido capazes de enfrentá-lo com a firmeza necessária. Após quase 20 anos de tentativas, é possível identificar três fontes de resistência à reforma da Previdência Social: a inércia dos próprios governantes, os interesses afetados pela reforma e o custo da transição.
A primeira dificuldade - a inércia das administrações públicas - decorre da natureza da reforma. É uma empreitada polêmica, gigantesca e desgastante, com um custo político para quem a levar a efeito e com benefícios que demoram anos ou décadas até serem percebidos. Por isso a opção pelo adiamento é sempre a preferida. Mas há um período em que a inércia é mais fácil de superar: o início do novo governo. Aqueles cem primeiros dias, durante os quais o recém-eleito goza da boa vontade da opinião pública e do Congresso Nacional, são geralmente aproveitados para as iniciativas mais ousadas da nova administração. A eleição do presidente em 2010 oferece uma oportunidade que se repete apenas a cada oito anos. Esperamos que em 2011 seja aproveitada.
A segunda dificuldade está relacionada com os interesses que a reforma afetaria. Se for para valer, a reforma teria de desmontar os privilégios de alguns segmentos e instituir igualdade de tratamento entre todos os participantes. Nas vezes que se tentou reformar a Previdência, a força desses interesses aflorou e impediu avanços. Mas, pelo menos, o País aprendeu. Hoje se sabe que para vencer essas resistências a reforma deve se limitar aos novos participantes. Isso mesmo, a reforma somente afetaria quem ainda não tivesse entrado no mercado de trabalho. Estes cidadãos, quando se tornassem trabalhadores, teriam novas regras de aposentadoria, aplicadas igualmente a todos - funcionários públicos, trabalhadores do setor privado, autônomos -, sem diferenças nem privilégios. Para poder reformar a Previdência as regras dos atuais participantes seriam mantidas - mas só para eles. Com o tempo eles se aposentariam e o mercado de trabalho seria então formado apenas pelos novos trabalhadores, para os quais valeriam as novas regras, igualitárias, simples e transparentes.
Isso nos remete à terceira dificuldade: o custo da transição. Ao criar o novo sistema e separá-lo do sistema atual, a reforma explicitaria a dívida oculta e o governo teria de se comprometer a honrá-la. Este tem sido o grande impedimento de qualquer reforma, pois os valores envolvidos são gigantescos. Nossos cálculos apontam para volume equivalente a um PIB, que teria de ser coberto nos próximos 30 a 40 anos. É um valor maior que a atual dívida mobiliária, que se situa no nível dos 60% do PIB. O governante que promovesse a reforma estaria multiplicando a dívida atual por três! Convenhamos, seria preciso muita coragem e muito sangue-frio para fazer isso.
A boa notícia é que o Brasil tem hoje novas energias para turbinar a coragem e o sangue-frio dos seus governantes. Segundo os especialistas da área, o excedente gerado pela exploração do petróleo do pré-sal seria da ordem de um PIB! E mais: o excedente seria extraído nas próximas décadas, exatamente o período da transição, se a reforma da Previdência for feita nos próximos anos. Seria possível dar um destino nobre às receitas do pré-sal, utilizando-as para formar o Fundo da Transição que garantiria os compromissos gerados pela reforma da Previdência. Em vez de dividir entre prefeitos, governadores e Petrobrás, o lucro do pré-sal prestaria um serviço maior ao País. Daria credibilidade à própria reforma e iniciaria um processo virtuoso, pois permitiria reduzir imediatamente os encargos sobre a folha de salários, estimulando a geração de empregos e a produção. Mais produção significaria mais arrecadação para prefeitos e governadores, que recuperariam sadiamente tudo aquilo que estão cobiçando hoje no pré-sal.
O Brasil gasta muito com aposentadorias e pensões. Muito e mal. Em nome da disciplina fiscal, da justiça social e da promoção do emprego, é preciso reformar a Previdência. Em breve teremos mais uma oportunidade para enfrentar esse desafio. A reforma teria grandes chances de ser aprovada se fosse feita logo no início de 2011, para aproveitar o voto de confiança no novo presidente. Enfrentaria menores resistências se desistisse de corrigir o sistema atual e focasse nos novos trabalhadores. E se pagaria se o País reservasse a energia do pré-sal exclusivamente para alimentá-la.
Hélio Zylberstajn, professor da FEA-USP, é presidente do Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho (Ibret)