Título: EUA darão verba a ONGs que auxiliam prostitutas
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/2009, Vida&, p. A12

Desde 2005, governo americano não repassa recursos para organizações que trabalham no combate à aids entre trabalhadoras do sexo

O governo Barack Obama voltará a enviar recursos para o combate à aids a organizações não governamentais que atuam no apoio social a prostitutas. A medida, que deve valer já em 2010, é uma revisão importante da política adotada pelo ex-presidente George W. Bush e pode ajudar campanhas no Brasil.

"Estamos em processo de revisão de nossas políticas e posso garantir que essa norma (do governo Bush) não tem futuro", afirmou o novo diretor do Programa contra a Aids dos Estados Unidos, embaixador Eric Gossby. Em 2005, a Casa Branca estabeleceu regras para garantir que o envio de dinheiro aos países em desenvolvimento para o combate à aids não respeitasse apenas critérios técnicos, mas também morais. A decisão foi a de não dar mais recursos para ONGs que trabalhassem com a prevenção da doença entre as prostitutas, respondendo a uma pressão de grupos conservadores do país.

O Brasil - que recebia cerca de US$ 40 milhões por ano dos EUA - não aceitou a condição e rejeitou o dinheiro para continuar seu modelo de combate à aids. Então diretor do programa de aids do governo brasileiro, Pedro Chequer defendeu na ocasião a decisão de ser "fiel aos princípios do método científico e não permitir que dogmas e crenças teológicas interfiram". Sem a verba, várias entidades tiveram os fundos esvaziados.

Goosby admitiu, na época, que o governo sofreu processos, iniciados por ONGs americanas, que questionavam a legalidade da exigência. "Vamos acabar com isso. Todos precisam ter o direito de receber tratamento e prevenção", disse.

O embaixador contou que, para não entrar em guerra com os círculos mais conservadores dos EUA, a estratégia será garantir que os recursos não irão para organizações que promovam a prostituição nem lucrem com ela. No caso do Brasil, nenhuma das ONGs se enquadrava nessa situação. Por determinação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o trabalho de disseminação de informação, preservativos e medidas de apoio deve ser feito com os trabalhadores do sexo como forma de evitar a epidemia.

Goosby também defendeu o estabelecimento de um acordo com o Brasil para o tratamento da aids em países mais pobres. "O Brasil é um exemplo e fez coisas que nos Estados Unidos ainda não conseguimos, como garantir tratamento até para pessoas marginalizadas e no interior do país", disse. "Queremos um acordo para exportar o modelo brasileiro para outras regiões do mundo."

Os EUA entrariam com os recursos e o Brasil, com o conhecimento e a facilidade de acesso a alguns países africanos, afirmou o embaixador.

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Bush chegaram a assinar um acordo para que as duas nações atuassem de forma conjunta na questão. "Mas o acordo nunca saiu do papel. Agora, queremos iniciar a cooperação", disse Goosby.

REVISÃO DA POLÍTICA

Apesar da alteração na regra para envio de verba, o embaixador faz mistério sobre a possibilidade de uma revisão mais profunda na política americana. Ele se limita a dizer que o "uso do preservativo é fundamental". Não sabe se o governo abolirá a recomendação de abstinência, feita pelo governo Bush, que, para evitar a contaminação, defendia uma estratégia também apoiada na fidelidade e no uso controlado do preservativo. As recomendações são consideradas polêmicas por especialistas e irrealista para membros do governo brasileiro.

Ainda assim, o governo americano afirma que passará de uma estratégia de emergência contra a aids para um trabalho focado na sustentabilidade dos programas.

Nos últimos cinco anos, o governo distribuiu US$ 19 bilhões em recursos para o combate à doença no mundo.

A meta americana é garantir que 4 milhões de pessoas tenham acesso aos tratamentos contra a doença até 2014. O número - 1 milhão a menos do que prometia Bush - é alvo de duras críticas por parte de ativistas.