Título: Os recursos do FGTS
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/01/2010, Notas e informações, p. A3

Os trabalhadores poderão aplicar até 30% dos saldos de suas contas no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em fundos de investimento em infraestrutura (FIIs), conforme medida aprovada pelo Conselho Curador do Fundo. Trata-se de uma nova opção para que os depositantes do FGTS, que em sua quase totalidade recebem apenas 3% ao ano de juros mais a TR, tenham melhor remuneração.

O FGTS tem ativos da ordem de R$ 200 bilhões, disponibilidades em caixa ou títulos públicos de cerca de R$ 60 bilhões e um patrimônio líquido superior a R$ 25 bilhões. Maior fonte individual de recursos para a aquisição da casa própria, o orçamento anual do Fundo para Habitação é de R$ 18 bilhões, tanto em 2009 como em 2010.

Desde 2007, o FGTS - mas não os depositantes, individualmente - está autorizado a aplicar diretamente seus recursos em FIIs, para os quais destinou R$ 20 bilhões, não totalmente investidos até agora. Os FIIs, por sua vez, têm aplicado em projetos de infraestrutura (energia, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e saneamento). A remuneração contábil obtida pelo FII, nos últimos 14 meses, foi de 11,7%, segundo a Caixa Econômica Federal (CEF), responsável pela gestão dos recursos do Fundo.

Até agora, centenas de milhares de trabalhadores aplicaram até 50% dos recursos que tinham nas contas do FGTS em ações da Petrobrás e da Vale, com remuneração muito superior à garantida pelo governo ou à inflação. Essa possibilidade não deverá existir no processo de capitalização da Petrobrás, previsto para o ano que vem.

As novas aplicações dos trabalhadores em infraestrutura deverão estar disponíveis no início do ano, após a aprovação das regras pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ao mesmo tempo, a CEF deverá avaliar os projetos que poderão receber os recursos e divulgar os termos da opção dos trabalhadores pelo novo investimento.

O teto de aplicações será de R$ 2 bilhões. "Se houver uma procura muito grande, vai haver rateio para que todos possam participar", declarou o vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias da CEF, Wellington Moreira Franco.

Serão oferecidas aos trabalhadores aplicações de risco com prazo de carência de 12 meses. Vencida a carência, as aplicações que forem resgatadas voltarão para o FGTS, a exemplo do que ocorre nos Fundos Petrobrás e Vale. O levantamento dos recursos depositados no FGTS continua restrito às hipóteses legais, como perda do emprego, aposentadoria, doença grave ou a compra de imóvel, inclusive sob a forma de consórcios.

A nova modalidade de aplicação foi elogiada pelo presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, que prevê a necessidade de aumentar os investimentos no setor de R$ 108 bilhões anuais, em 2008, para R$ 160 bilhões, até 2014. De fato, a infraestrutura deficiente é um dos maiores gargalos da economia.

Mas a CEF terá de mostrar capacidade de avaliar a segurança e a rentabilidade dos projetos que se candidatarem aos recursos, para não pôr em risco as aplicações dos cotistas do FII-FGTS.

As verbas do FGTS já alimentam o BNDES, que vendeu R$ 7 bilhões em títulos de baixa rentabilidade para outra carteira do FGTS, o Fundo de Investimento em Participações (FIP).

O interesse do governo é levantar recursos baratos para financiar as obras incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), para tentar alavancar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil.

Ocorre que o FGTS é a principal forma de poupança da maioria absoluta dos trabalhadores. Na sua concepção original, deveria financiar apenas a habitação e o saneamento básico. Se não o fez, foi devido à insolvência de Estados e prefeituras, que tornou difícil a aplicação dos recursos.

Há o risco, ainda, de que aplicações de prazo muito longo em infraestrutura resultem em falta de recursos para a habitação no próximo governo, se o ritmo de crescimento do setor de construção civil for tão rápido quanto esperam os empresários privados.