Título: O que os candidatos deveriam garantir
Autor: Rocha, Marco Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/01/2010, Economia, p. B2

Há uma certeza e duas indagações a respeito das perspectivas para a economia brasileira em 2010. A certeza é que seu desempenho será melhor que o de 2009 - um pouco melhor ou muito melhor? Isso depende da posição e do humor do analista.

As duas indagações são: 1) O melhor desempenho será de tal ordem que leve as autoridades monetárias a terem de refreá-lo, com arrocho monetário? 2) Nesse caso, quando, e de que proporção, será o arrocho?

Este é o último ano da "era Lula", mas o que virá depois dependerá muito do que será feito neste ano.

No início do primeiro mandato Lula houve séria preocupação com o que ele iria fazer, ante os maus presságios trazidos pelas pregações de "mudar tudo isso que está aí", sem dizer como; de combater o "Consenso de Washington", sem propor outro; e outras patacoadas, igualmente desafiadoras. A surpresa, para os críticos, e mais até para os companheiros de jornada, foi que ele aderiu a um conservadorismo econômico-financeiro que o FMI aplaudiria.

É que ele sabia muito bem que o seu predecessor, embora indiretamente derrotado nas urnas, deixara no grande público, especialmente nas classes mais pobres, uma marca formidável e histórica: a da derrota da inflação, pois o real, a moeda criada sob repúdio e críticas do PT, dera à economia uma estabilidade que havia décadas não se via, e ao povo uma dose de confiança no futuro que também não fora possível por longo tempo. Portanto, para um governo que assumia em meio a temores e desconfianças, era imperativo pegar o bastão, não fazer nada, mas nada mesmo, que ameaçasse uma retomada da inflação e pusesse em risco a recém-adquirida confiança na moeda. A contragosto talvez, mas esperto como é, e com base no apoio que o "povão" lhe deu, Lula embarcou numa política ortodoxa, dando ao Banco Central, ao Conselho Monetário Nacional e ao Comitê de Política Monetária virtual carta branca para fazer o que fosse necessário ao controle da inflação, sob protestos continuados de vários setores empresariais e políticos, mas com uma firmeza que nem o governo anterior chegou a exibir.

Lembremos que no governo FHC houve o maior aumento de carga tributária da História recente da economia brasileira. Além disso, o erário foi presenteado, digamos assim, com enorme ingresso de recursos extra fiscais, pela venda de empresas estatais, que dessa forma deixavam também de ser fonte de despesas e prejuízos - vendas duplamente lucrativas, portanto. Apesar dessa oportunidade de ouro para uma séria faxina nas contas públicas, para aumentar a eficiência do setor público em geral, para uma profunda reforma fiscal, para reduzir o peso do Estado "ao mínimo" - como Lula acusa FHC de ter pretendido -, o que aconteceu foi o contrário: maior agigantamento do Estado, da sua ineficiência e dos tradicionais déficits que o assoberbam.

Lula percebeu que sua trajetória tinha de passar por três fases: primeiro, consolidar a estabilidade monetária, prioridade absoluta; segundo, reduzir o déficit público e até aumentar os superávits primários; terceiro, criar programas de redistribuição de renda que reforçassem seu cacife político. Tudo sem aumentar muito a carga tributária, que já tivera uma grande elevação.

O superávit primário foi gerado muito mais à custa do corte de investimentos em infraestrutura e em alguns serviços do que pelo corte de gastos correntes, que, ao contrário, aumentaram, principalmente com os programas sociais, que asseguraram o aumento da popularidade do governo e do presidente. A deterioração da infraestrutura, por falta de investimentos públicos, demora para ser percebida e não prejudica muito a imagem do governo perante o grande público, já que nunca tivemos, mesmo, infraestrutura de boa qualidade. Sua recuperação pôde, pois, ser deixada para mais tarde, para a fase mais rentável, politicamente, da proximidade de nova campanha presidencial. Daí a invenção do PAC nos últimos dois anos, que propicia muita propaganda, repetidos lançamentos e algumas inaugurações e reinaugurações. Daí também o abandono do propósito de zerar o déficit nominal em 2010 - a informação da semana passada foi de que ele aumentou 278% nos últimos 12 meses, até outubro, chegando a quase R$ 138 bilhões.

Essa volubilidade e imprevisibilidade dos governos brasileiros na condução das suas contas geram, em qualquer investidor, uma insegurança que o impele a pensar no Brasil não como um bom e seguro negócio de longo prazo, mas como um negócio "de ocasião". Por isso nossa economia sofre de surtos esporádicos de crescimento, que, no dizer dos economistas, são como voos de galinha, rasteiros e curtos, seguidos de fases de estagnação, pois aqui não é um bom lugar para se ter muita confiança, principalmente no governo. Para quem procura segurança, melhor a China.

Esse padrão de incerteza e pouca confiança predomina desde o final dos anos 70 - depois dos quase 60 anos seguidos em que a economia brasileira teve as maiores taxas anuais de crescimento do mercado mundial - e só pode ser rompido por governos que tenham performance targets definidos e perseguidos com rigor na direção da redução contínua do déficit público nominal em relação ao PIB; da redução paulatina da carga tributária, com recomposição, para melhor, dos gastos fiscais; da eliminação definitiva de "reformismos fiscais", inventados a cada ano pela Receita Federal para tapar buracos no Orçamento. Isso tudo exige a estruturação de uma verdadeira política fiscal de Estado, visando acima de tudo o desenvolvimento do País, e não as conveniências do governo de plantão, nem as do Fisco. Política fiscal é coisa séria demais para ficar a cargo apenas da Receita.

Mas agora a pergunta: quem acredita que os candidatos à Presidência terão esses compromissos em seus programas?

*Marco Antonio Rocha é jornalista. E-mail: marcoantonio.