Título: O Banco Central adverte
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2009, Economia, p. B2

Um dos segredos do manejo correto do sistema de metas de inflação é a boa comunicação do Banco Central (BC) com os fazedores de preço. Quanto mais claros forem os comandos do BC e quanto maior for a sua credibilidade, melhor o desempenho de toda a política.

O presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Ben Bernanke, explica que a política de juros é um barco a remo: os remadores são os agentes econômicos e o patrão, que canta as remadas, é o banco central.

Um dos mais importantes instrumentos pelo qual um banco central determina o ritmo das remadas é o Relatório de Inflação, um documento trimestral que, na edição ontem divulgada, tem 173 páginas. Lá estão todos os parâmetros controlados pela autoridade monetária na execução de sua política. A ideia é criar uma boa sintonia entre os marcadores de preço e o Banco Central para que a economia seja bem mais previsível. E previsibilidade é do que mais precisa o mundo dos negócios se o objetivo é operar sem solavancos (e sem saltos nos preços).

O sinal mais importante passado pelo Relatório de Inflação que saiu ontem foi o de que, em 2010, a inflação ameaça deslizar para fora da meta definida pelo próprio governo (e não pelo Banco Central).

A maior preocupação é com a perspectiva de rápido esgotamento da capacidade ociosa da indústria. Isso significa que, apesar do bom ritmo dos investimentos, há o risco de que a oferta de produtos industriais não acompanhe o ritmo crescente do consumo. E, quando isso acontece, aumenta substancialmente a pressão sobre os preços, por um efeito de demanda maior do que a oferta.

O Banco Central está dizendo que em 2010, muito provavelmente, terá de puxar de novo pelos juros básicos (Selic), que hoje estão a 8,75% ao ano, para conter o consumo e empurrar a inflação novamente para o centro da meta (4,5%).

Não está claro, nem mesmo para o BC, quando deverá começar o aperto da política monetária, ou seja, quando começará o processo de redução da ração de dinheiro no mercado.

Essa decisão é especialmente complicada em razão de uma peculiaridade. Os preços não deixam de subir ou não caem logo após o aperto monetário. A resposta completa demora de seis a nove meses.

O que complica o quadro geral é que 2010 será um ano eleitoral. E o governo federal deixou claro que não terá escrúpulo em aumentar as despesas de maneira a melhor lubrificar a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

A definição do reajuste do salário mínimo em proporção superior ao da inflação passada que, por sua vez, deverá provocar novo estouro no orçamento da Previdência Social, é parte desse jogo eleitoral cujo principal resultado na economia será o aumento do consumo e mais pressão sobre os preços.

Isso significa que a área fiscal (que engloba receitas e despesas do setor público) está operando na contramão da política de controle de preços que se espera do Banco Central. Na prática, o governo federal está montando uma festa e deixando a limpeza da casa para o Copom.

Como das outras vezes, o BC toma as lambanças fiscais do governo como um mero dado da realidade, sem criticá-las e sem mesmo observar que esse jogo obriga o Copom a agir.

Confira

Recuperação - Depois de meses a fio de recuo, a arrecadação federal teve em novembro o melhor desempenho do ano. E, se for confirmado o avanço do PIB, de 5,8% (previsão do Banco Central), 2010 trará novos recordes.