Título: Estão com saudade de ganhar com juro
Autor: Abreu, Beatriz ; Rabello, João Bosco
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2009, Economia, p. B4

Para Mantega, movimento para aumentar a taxa Selic vem dos que querem lucrar com a especulação, e não com a produção

No auge do otimismo com os números da economia brasileira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez um parêntese no seu entusiasmo, ontem, para contestar com veemência a projeção do mercado de um novo aumento na taxa de juros. Para ele, o tom de alerta do relatório de inflação do Banco Central não se justifica e a chamada "leitura do mercado" é produzida "pelos que têm saudade dos tempos de especulação". Mantega disse que entre a postura preventiva do diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, e a projeção do presidente da instituição, Henrique Meirelles, de um 2010 com inflação sob controle, fica com o último. "Se você olhar a declaração do Meirelles no fim de semana - e o que vale é a opinião dele -, ele diz que podemos crescer ano que vem 5% com inflação sob controle."

Em entrevista à Agência Estado, Mantega disse que as desonerações acabam dentro do cronograma original (junho de 2010), exceção para a isenção do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) para bens de capital, que será incorporada definitivamente. A taxação de capital estrangeiro na bolsa e no mercado financeiro permanecerá e um futuro governo de Dilma Rousseff manterá a política econômica do atual em seus fundamentos. "O que haverá é um aperfeiçoamento, mais sofisticação, mas o princípio de uma política de crescimento e desenvolvimento não mudará". A seguir, os principais trechos da entrevista.

A economia aquecida é sustentável?

É. A economia está aquecida. As empresas - uma boa parte delas - não darão férias para dar conta da demanda. O nosso mercado de massas é uma das forças propulsoras do crescimento em 2010, que já está em ação.

Mas para que não haja inflação tem de haver investimento.

As projeções mais modestas para o crescimento do investimento em 2010 estão entre 14% e 15%. O BC, que costuma ser conservador, previu 14%. Mas eu já vi o Credit Suisse falar em 20% de crescimento no ano sobre o ano anterior.

A arrecadação se recupera em 2010?

A arrecadação será muito boa no ano que vem. Em novembro, tirando as receitas extraordinárias e atípicas, já reflete uma recuperação forte da economia.

A arrecadação melhora por que haverá crescimento?

Exatamente. Vamos voltar aos patamares de 2008, ou mesmo superar. Naquele ano, cresceu 19% em relação a 2007.

A recuperação ocorrerá mesmo mantendo as desonerações?

Elas seguirão seu cronograma de término. Portanto, vão acabar. Agora, vamos qualificar o que disse ao presidente: algumas poderão ser permanentes como o IPI (Imposto Sobre Produto Industrializado) sobre bens de capital, porque estimula investimento. Em 2010 não precisaremos estimular consumo. Salvo um setor ou outro que, eventualmente, dê sinais de que precisa de um estímulo.

O diretor do BC, Mário Mesquita, disse que o BC vai agir preventivamente. Isso está sendo interpretado como alta dos juros.

Eu acho que não há nada nesse momento de concreto que nos leve a uma dedução de que é necessário aumentar a taxa de juros. Com exceção da vontade dos especuladores, ou daqueles que têm vantagem em elevar a taxa de juros. Quem está fazendo o movimento hoje para aumentar a taxa de juros são aqueles que têm saudade de ganhar só com juros, que não ganham com a produção. Não digo nem que sejam os bancos, porque os bancos ganham com crédito hoje também. Quem está sugerindo isso está equivocado.

Não há risco de inflação?

Achar que tem uma tendência de elevação da inflação é mais desejo do que projeção concreta. A economia fecha o ano com crescimento muito pequeno num mundo que está em deflação.

O relatório de inflação tem um tom de um certo alerta.

Bem, o BC sempre tem que estar alerta mesmo. Se você olhar a declaração do Meirelles (Henrique Meirelles, presidente do Banco Central) no fim de semana - e o que vale é a opinião dele -, ele diz que podemos crescer ano que vem 5% com inflação sob controle. O que ele está dando a entender é que com um crescimento de 5%, a inflação deve ficar comportada.

Os juros podem subir para ter a inflação na meta.

Essa discussão é extemporânea.

Não há uma resistência maior da inflação no Brasil do que em outros países ?

Isso é uma hipótese, uma tese que eu não corroboro.

Com a economia melhor, pode-se suspender o IOF sobre capital estrangeiro?

Mas e o câmbio? Você está esquecendo o câmbio?

Bem, o BC diz que o câmbio ficará na faixa dos R$ 1,75 ao fim de 2010.

Eu não sei o que o BC está considerando, mas o câmbio hoje está em 1,78, e eu não vejo nenhum sinal de baixa. Mas, pode ser, porque é flutuante. O que foi taxado foi o movimento em bolsa. Capital estrangeiro faz câmbio, vai prá bolsa. Aquele dinheiro que às vezes vem de offshore, até de brasileiros, e vai prá bolsa, aí é taxado. O investimento direto não está taxado.

É uma medida que pode ser incorporada?

Não, não é para ser incorporada. O IOF é medida regulatória e não arrecadatória. Ainda não é o momento de tirar essa medida. Havia um efeito manada, todo mundo querendo ganhar muito dinheiro no Brasil e aí não só os sérios, mas aqueles que querem especular. Ela teve resultados muito bons. Ela evitou exageros.

Ainda há risco da sobrevalorização?

Veja, esse é um problema permanente que temos vivido desde que entrei no ministério em 2006. Sempre existe esse risco de sobrevalorização do real. É um problema no sentido de que cria vantagens artificiais para outros países.

Que outras ferramentas poderiam ser usadas numa eventual sobrevalorização?

São vários os instrumentos, mas eu preferia só falar deles se for o caso.

Continuar comprando reservas? Ou alíquota maior do IOF?

A continuidade de compra de reservas ajuda. Tem um custo, mas ela ajuda. Quanto ao IOF, não é uma proposta que eu aborde agora, mas eu posso usá-la conforme a necessidade. Acredito que a tendência é benigna, que não haverá sobrevalorização, inclusive porque o mercado entendeu que nós não estamos brincando em serviço e que não deixaremos ocorrer deterioração. A tendência é que em algum momento o Fed (Federal Reserve, o BC americano) suba as taxas de juros, o dólar se valorize.

O dólar vai se recuperar ante as outras moedas?

Acho difícil o dólar se manter com uma taxa de 0,25% por muito tempo. Já é uma taxa exageradamente baixa. Ela causa desequilíbrio cambial no mundo, não só no Brasil. É bom para os EUA, mas também há problemas. O pessoal lá não quer fazer empréstimos nos EUA. O pessoal quer fazer carry-trade. Vem pra cá, para Austrália, África do Sul.

O presidente disse que a política econômica não muda, mas pode ser aperfeiçoada.

Isso não é a política. Esses são os instrumentos. A política é de desenvolvimento. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é a política. O salário mínimo, manter a transferência de renda. Na área econômica é estimular a construção civil. Na energia, é fazer o pré-sal. É criar o efeito multiplicador no País. Antigamente, a Petrobrás importava as plataformas, navios. Hoje, encomenda aqui dentro com a expansão da indústria naval. A política é o desenvolvimento. É claro que é preciso ter crédito, juros mais baixos e estabilidade.

Sem mudar os instrumentos, como meta de inflação e câmbio flutuante?

Não muda a política de expansão do crescimento. Isso aí é apenas acessório. Isso não é fundamental. A política é que induz a economia para um crescimento maior. Nos governos anteriores, a taxa de crescimento era de 2%. O grande divisor de águas é fazer equilíbrio fiscal com crescimento. Tentaram fazer equilíbrio fiscal sem crescimento, com inflação baixa. Isso é a mesmice. O governo da presidente Dilma... É melhor se acostumar a dizer isso, né?

Ah, ela já ganhou?

Não. Só falei para se acostumar a falar se é presidenta ou presidente.

Na presidência, ela continuará com tudo isso que deu certo.

Para isso não precisa mudar o sistema de metas de inflação, câmbio flutuante? Não. O que vai distinguir a Dilma é que ela vai elevar o desenvolvimento a um patamar mais alto. O País poderá crescer a 6,5%.

Qual o desafio?

Tem herança maldita com o aumento da folha? O custo da folha em 2009 é 5,9% do PIB (Produto Interno Bruto), o mesmo que o Fernando Henrique deixou. Nem ele deixou, nem nós vamos deixar herança maldita. Vamos deixar uma lei, já aprovada no Senado, que limita os gastos com folha. A herança é muito boa. Qualquer candidato vai querer receber o País assim. Até aqueles que já governaram.

O sr. está em campanha pela Dilma?

Não. Estou falando de economia. Quem colocou a questão da campanha foi você.

O sr. acha que haverá turbulência no período eleitoral?

Não acredito. O Brasil tem reservas, solidez. A campanha política não vai interferir na economia. Alguns vão querer volatilidade para poder ganhar.

Não terá turbulência nem se o Serra for candidato do PSDB?

Não acho. Eu nunca vi o candidato José Serra criticando a política. Eu converso com ele toda semana. Ele é meu amigo. Eu conheço o pensamento dele. Há questões pontuais. Há diferenças porque senão ele não seria candidato. Noutro dia, em uma solenidade, ele disse que concordava 95% com o que eu disse.

O problema está nos 5%.

(risos) Estamos na mesma linha. Se ele for candidato e vencedor poderá mudar detalhes da política. Tem uma regra de ouro que se diz que política econômica bem-sucedida não se muda.

O governo Lula não mudou.

Claro que mudou. Mudamos o superávit fiscal e fomos mais rigorosos e exigentes, com exceção neste ano de crise. A grande diferença é a dinamização da economia. Era uma política conservadora. Acho que eles tinham um pouco de medo. A taxa de juros real não podia ficar abaixo de 8%, o País não podia crescer mais de 3%. Essas ideias é que foram superadas na prática.

A taxação da poupança foi abandonada?

A taxação foi pensada quando a taxa de juros poderia descer para patamar inferior de 8% e 7%. O fato é que não houve a migração para a poupança nem a redução dos juros para esse patamar. Está equilibrado. No futuro, tem que se pensar nisso. No presente e no próximo ano não.

Taxar poupança não é bom em ano de eleição.

Não é por isso. Fazemos o que é preciso. A Receita Federal está com um programa de fiscalização rigoroso. Quem deve imposto deve pagar.