Título: Era tudo lastreado em atestado
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/01/2010, Nacional, p. A4

Antonio Carlos Viana Santos: presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo[br]Foi só fiscalizar que 2 mil servidores já voltaram, diz Viana, que até soube de um assédio de servidora para médico renovar sua licença

Para evitar episódios emblemáticos como o dos servidores licenciados por doenças inexistentes, o TJ-SP criou um Núcleo de Gestão e Planejamento Estratégico, informou ontem o novo presidente da corte, desembargador Antonio Carlos Viana Santos.

Há 40 anos na magistratura, Viana tem dois motivos para se declarar "entristecido". O primeiro é a história dos funcionários combalidos que gozavam de boa saúde. O segundo dissabor, ele conta, é que começou sua carreira na comarca de São Luís do Paraitinga, agora em ruínas pelas tempestades que castigaram o Vale do Paraíba no fim de ano. Ele espera que o poder público reconstrua a cidadezinha que lhe traz boas lembranças, enquanto ele próprio almeja dar um fim no escândalo da Justiça adoecida.

Como o sr. descobriu tanto funcionário afastado, mas em condições de trabalho?

Foram identificados a partir de levantamento junto ao Departamento de Saúde do Estado, órgão do Executivo que avalia os servidores públicos, que são 900 mil. Quero ressaltar que não há suspeita sobre os médicos, suspeita de que tenham sido coniventes. Há um caso interessantíssimo, o de uma servidora que assediou sexualmente um médico para que ele renovasse sua licença.

Como vai funcionar o Núcleo de Gestão?

O Tribunal de Justiça aprovou a criação do núcleo em outubro. Sua função primordial é produzir um plano quinquenal. São 7 desembargadores que cuidarão de todos os aspectos e interesses do Judiciário paulista, os corretivos necessários nas áreas de informática, contabilidade, orçamento, pessoal. Dizem que juiz não sabe administrar, não sabe ser gestor. Que quando juiz tem dinheiro na mão compra carro novo e paga benefícios. Não é bem assim. Há um plano, uma diretriz orçamentária.

Mas e o caso dos licenciados que não tinham problemas de saúde?

Estamos instalando um serviço médico qualificado no tribunal. Todo servidor, a partir de agora, não mais será submetido a exames no Departamento de Saúde do Executivo. Agora é aqui mesmo. Meu antecessor (Vallim Bellocchi) enviou projeto à Assembleia criando 10 vagas para médicos e mais 20 para enfermeiras. Só tínhamos duas vagas, uma para clínico geral, outra para psiquiatra.

Psiquiatra?

Quem mais trabalha aqui é o psiquiatra. E com juiz mesmo. O juiz sofre um desgaste extraordinário, ele é estressado. O juiz trabalha só com a cabeça. A cabeça tem limite. O pedreiro trabalha 10 horas, carrega tijolo, saco de cimento, massa, argamassa. Chega em casa, toma um banho, dorme e no outro dia está inteiro. O juiz tem que resolver os problemas dos outros. Às vezes não resolve os problemas dele, que ficam de lado. Então, há um esgotamento mental muito grande.

Como funcionava a máquina de licenças médicas?

Bem, era tudo lastreado em atestado. Mesmo quem estava morando fora do País e recebia os salários via bancária. Agentes de segurança, motoristas, oficiais de Justiça, escreventes, auxiliares. Todas as funções. Mas agora a avaliação para concessão de licença saúde será feita pelos médicos do Tribunal de Justiça.

Quantos voltaram ao serviço?

Refizemos todas as perícias e constatamos que 43% tinham condições de voltar ao trabalho. Demos um prazo para o retorno, para que reassumissem o serviço sob pena de perda do cargo. Trinta dias consecutivos fora do serviço pode provocar processo administrativo disciplinar por abandono de cargo. É a sanção. Outros foram direto para a aposentadoria. A junta médica que formamos verificou que eram casos efetivos de aposentadoria. E um outro grupo teve suas licenças prorrogadas.

Haverá punições administrativas?

Eles estavam acobertados por laudo médico do Departamento de Saúde do Estado. Vai fazer o quê? Não vejo nenhuma produtividade em se abrir processo disciplinar ou representar contra os médicos do Estado. Fizemos um apanhado geral, sem individualização de cada um. Só de voltarem já vejo aí uma sanção, uma punição. E muitos voltaram espontaneamente. Foi só fiscalizar, avaliar. Não posso ficar olhando para o retrovisor, eu olho para o para-brisas. Mais de dois mil servidores já retomaram suas atividades. Não pretendo fazer auditorias, não vou fazer caça às bruxas. Quero aperfeiçoar o atendimento ao jurisdicionado. Para isso preciso de pessoal. E pessoal bem remunerado. Nossos funcionários reclamam com razão. Não querem aumento, querem reposição. Temos inflação. Pequena, mas temos.

O novo corregedor (desembargador Munhoz Soares) reclamou dos ataques à independência do Judiciário.

Ataques à independência financeira. Eu digo o seguinte. Essa independência que consta claramente da Constituição e da emenda 45 ela só existe no papel. Ela é retórica. O Judiciário tem que fazer o seu orçamento, manda para o Executivo que corta verba a seu bel prazer, principalmente de pessoal. Aí manda o projeto para o Legislativo. A Assembleia de São Paulo tem 94 deputados estaduais. Fazem parte da bancada do Executivo 73 parlamentares. O governador tem mais que maioria absoluta. Então, na Assembleia só passam aqueles projetos que têm o beneplácito do senhor governador. Aí a gente tem que fazer tratativas, negociações para aparar determinadas situações. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal o tribunal pode gastar com pessoal até 6%. Hoje, como cortam de lá e de cá, estamos gastando 4%. Eu queria só 1%. Leio na mídia que o orçamento estadual é de R$ 116 bilhões. Um por cento são R$ 1,16 bilhão. Eu quero só 1%.

Na antevéspera do Natal o TJ publicou provimento que garante segurança especial para desembargadores que integraram o Conselho Superior da Magistratura. Não é um privilégio?

Nunca usei. No dia 2 de dezembro, quando fui eleito, apuradas as urnas, logo me ofereceram um capitão e um outro militar. Na minha gestão vou usar o mínimo possível. Tinha lei do regime militar que obrigava o uso dessa segurança. Eu não me furto às responsabilidades. Assinei também o provimento, não queria ser voto vencido. Tem gente que gosta. Vou reavaliar essa portaria. F.M.