Título: Iêmen é um alvo antigo
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2010, Internacional, p. A12

As provas do envolvimento do braço iemenita da Al-Qaeda no atentado fracassado em um avião que ia de Amsterdã para Detroit levou alguns a declarar que o Iêmen é a nova frente de batalha da guerra contra o grupo terrorista. A verdade, porém, é que o Iêmen tem sido uma frente dessa batalha desde 12 de outubro de 2000, quando a Al-Qaeda explodiu o destroier USS Cole, da Marinha dos EUA, matando 17 marinheiros no porto de Áden.

Os explosivos usados no atentado foram comprados no Iêmen. Os perpetradores e seus cúmplices eram, em sua maioria, de origem iemenita. Como agente do FBI encarregado da investigação do caso, entre 2000 e 2005, passei anos no Iêmen caçando os responsáveis ao lado de meus colegas e desvendamos a existência de toda uma rede da Al-Qaeda no país.

Mesmo antes do ataque ao Cole, o Iêmen era associado a atos terroristas. A maioria dos envolvidos na execução dos ataques contra as embaixadas americanas na África Oriental passou pelo Iêmen ou usou passaportes iemenitas falsos.

Militantes do grupo também participaram dos ataques de 11 de setembro de 2001. Fahd al-Quso, membro da Al-Qaeda iemenita que participou no atentado contra o USS Cole, também admitiu ter transportado dinheiro para um agente do grupo terrorista conhecido como Khallad, que participou de uma importante reunião de planejamento na Malásia para preparar o atentado contra as torres gêmeas.

Em agosto, uma tentativa de assassinato contra o príncipe Mohammed bin Nayef, vice-ministro do interior da Arábia Saudita e encarregado dos serviços de segurança, foi planejada no Iêmen. A mistura explosiva usada pelo suicida envolvido no ataque era a mesma que Umar Farouk Abdulmutallab tentou acender no avião de passageiros sobrevoando Detroit - em ambos os casos, os terroristas esconderam a mistura na roupa de baixo.

OPERAÇÕES

O Iêmen é uma base de operações sedutora para a Al-Qaeda. Sua posição proporciona um acesso fácil aos principais teatros de operações da rede terrorista, entre eles o Iraque e o Afeganistão.

Não há controle sobre suas fronteiras e grupos tribais simpáticos à Al-Qaeda controlam muitas regiões, o que permite o livre trânsito dos terroristas pelo território do país e suas imediações. Armas e explosivos são facilmente encontrados na região.

A natureza tribal também faz do Iêmen um espaço onde as operações da Al-Qaeda são relativamente facilitadas. O governo central é fraco e as tribos regionais são fortes, agindo sob muitos aspectos como governos independentes da capital. Além disso, o regime luta para conter, simultaneamente, um movimento de secessão no sul e uma rebelião no norte.

Quando estive no Iêmen, conheci muitos policiais e espiões dedicados a deter a Al-Qaeda. Com a ajuda deles e com o apoio de agências americanas de espionagem e do Exército, nossa equipe pôde capturar e processar num tribunal iemenita os responsáveis pelo ataque ao Cole. Quando deixamos o país, em 2005, essas pessoas estavam na prisão. Entretanto, alguns "escaparam" posteriormente e outros receberam perdão.

Durante o último ano, em um preocupante sinal da importância do Iêmen para os planos da Al-Qaeda, o braço saudita do grupo se fundiu ao braço iemenita, formando um único grupo terrorista para toda a região. Conhecido como Al-Qaeda da Península Arábica, sua sede fica no Iêmen e seu líder é um iemenita.

Há um ano e meio, quando informei a um grupo de senadores americanos sobre a situação no Iêmen, eu os alertei para a necessidade de enviar um recado unificado aos iemenitas para que agissem contra a Al-Qaeda. Na ausência desse recado, os terroristas responsáveis pelo ataque ao Cole permaneceriam livres, possibilitando novos ataques contra os EUA.

É possível derrotar a Al-Qaeda no Iêmen sem o envio de soldados americanos. Agora que os iemenitas estão novamente agindo contra a rede, atacando as bases do grupo terrorista, os EUA precisam cobrar responsabilidade das autoridades iemenitas.

Desta vez, os terroristas devem ser detidos permanentemente, sem possibilidade de fuga e nem perdão. A maior demonstração de sinceridade que o Iêmen pode nos proporcionar é levar à Justiça aqueles que têm em suas mãos o sangue dos 17 marinheiros americanos mortos no ataque ao USS Cole, impondo a eles o merecido castigo.

*Ali H. Soufan foi agente especial do FBI de 1997 a 2005