Título: Tesouro reserva R$ 200 bilhões contra instabilidade em ano de eleição
Autor: Fernandes, Adriana ; Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2010, Economia, p. B1

Reserva para pagamento de títulos públicos - o chamado "colchão de liquidez" - praticamente dobrou em 2010

Em ano de eleições presidenciais, o Tesouro entrou em 2010 com um seguro extra para enfrentar instabilidades que possam ocorrer no mercado financeiro por causa do período de campanha - ou até mesmo incertezas ainda decorrentes da crise internacional. O chamado "colchão de liquidez" - dinheiro depositado na conta corrente do governo que só pode ser utilizado para pagamento de títulos públicos - praticamente dobrou. Essa reserva hoje é suficiente para pagar os vencimentos de títulos por seis meses.

Tradicionalmente, os recursos do colchão oscilam em torno de três meses de vencimentos de papéis da dívida pública federal. "O colchão nos garante uma situação confortável", afirmou Paulo Valle, subsecretário de Política Fiscal do Tesouro. Valle evitou falar em números, mas um cálculo simples, com base no cronograma de vencimentos, indica que o montante supera os R$ 200 bilhões.

Apesar do volume recorde no colchão, o discurso do subsecretário é de que o Tesouro não prevê instabilidade no mercado por causa da campanha eleitoral. "A eleição não é mais uma preocupação para o financiamento da dívida." Por motivos estratégicos, o Tesouro não faz comentários sobre a formação e uso do colchão. Em 2002, quando o presidente Lula disputou as eleições com o atual governador de São Paulo, José Serra, a economia brasileira viveu um período de forte turbulência que trouxe grandes dificuldades para a rolagem da dívida. Na época, o governo teve de usar parte do colchão, que era suficiente para garantir pagamentos por três meses.

Com o caixa reforçado, o Tesouro tem bala na agulha para, em momentos de turbulência, se dar ao luxo de não renovar (refinanciar) os papéis que estão vencendo. Com isso, evita pagar taxas de juros mais salgadas que venham a ser pedidas pelos investidores ou emitir papéis com prazo muito curto de vencimento. Por isso, o colchão acaba tendo para o Tesouro função semelhante à das reservas internacionais para o Banco Central no confronto com o endividamento externo - um antídoto contra especulação.

PREFIXADOS

Apesar dos efeitos da crise sobre a economia, o Tesouro fechou 2009 sem perder mercado para os papéis prefixados, títulos considerados de menor risco para financiamento da dívida. A participação de papéis prefixados ficou acima do teto de 31% da banda fixada no Plano Anual de Financiamento (PAF), representando 32% do total da Dívida Pública Federal (DPF). Em 2008, a DPF tinha 29,9% de títulos prefixados na sua composição.

Embora sem avanço significativo no perfil da dívida, Valle considerou o resultado positivo. Segundo Valle, a parcela de títulos a vencer em 12 meses também ficou em 24%, ligeiramente abaixo dos 25% previstos no PAF. Para esse indicador da dívida, quanto menor a parcela a vencer em 12 meses, menor o risco de financiamento.

"Estouramos duas metas para o bem", disse Valle. Ele ponderou, no entanto, que não é intenção descumprir as bandas. "Não queremos passar a percepção de que, se for para melhor, não tem problema estourar a meta. Isso tem um preço." Segundo ele, o PAF é um importante documento da estratégia de financiamento que conseguiu credibilidade entre investidores pelo compromisso do Tesouro de alcançar as metas. Em 2010, completa dez anos.

O subsecretário lembrou ainda que, em 2010, o Tesouro será favorecido pelo menor volume de vencimentos de papéis desde 2002. Quase um terço - cerca de R$ 100 bilhões - já venceu e foi pago no início do ano. Valle não diz, mas a concentração de vencimentos nesse período pode ter sido deliberada. Com ela, o Tesouro reduziu o volume de títulos com vencimento no período da campanha eleitoral.

BÊ-Á-BÁ DA DÍVIDA

Dívida Pública Federal (DPF): É o endividamento do governo federal em títulos públicos vendidos nos mercados interno e externo. É por meio da venda desses papéis que o Tesouro refinancia a sua dívida, paga o que está vencendo por meio da emissão de um novo título.

Colchão de Liquidez: É o dinheiro que o governo tem depositado na sua conta corrente para pagar os títulos. Funciona como um seguro para o Tesouro nos momentos de turbulência do mercado, quando os investidores pedem taxas de juros mais altas para comprar os papéis. Nessa situação, o Tesouro resgata os papéis que estão vencendo com o dinheiro do colchão e não faz leilões de venda para refinanciar a dívida.

Prefixados: São títulos cuja taxa de rentabilidade é fechada na hora do leilão. Por isso, são considerados melhores para o perfil da dívida porque o governo sabe quanto vai pagar no dia do vencimento, ao contrário dos títulos atrelados à variação da taxa Selic. São os papéis preferidos pelos investidores estrangeiros.

Títulos de Índice de Preços: São títulos cuja rentabilidade é em parte definida por uma taxa fixada no leilão, adicionada da variação do índice de inflação.

PAF : É um documento divulgado anualmente pelo Tesouro, que contém a estratégia de financiamento da dívida e as metas a serem atingidas para os principais indicadores, como prazo médio de vencimento dos papéis e participação de cada título no total do endividamento.