Título: Barreira na fronteira egípcia asfixiará território palestino
Autor: Kresch, Daniela
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/01/2010, Internacional, p. A12

Há um ano, Israel atacava a Faixa de Gaza, território palestino situada na fronteira egípcia e submetido ao punho de ferro do Hamas. A operação foi terrível: 1,3 mil palestinos mortos.

O Hamas representa a facção dura, religiosa e frenética dos palestinos, enquanto, no outro território, a Cisjordânia, reina o Fatah, de Mahmoud Abbas, bem mais maleável que os cabeças-duras do Hamas.

Hoje, o Hamas (a Faixa de Gaza, portanto), enfrenta uma nova ameaça. Esse perigo não vem do norte, de Israel, mas do sul, do Egito. Basta chegar em Rafah, na fronteira entre Gaza e Egito, para compreender que, de fato, um perigo mortal ameaça o território.

O que veem os adolescentes de Gaza que sobem nos montículos que margeiam a fronteira? Uma escavadeira gigantesca retirando terra. Essa máquina é egípcia. Ela instala painéis de aço de 18 metros de altura. O que os rapazes de Gaza não sabem é que essas placas de aço são a morte do território. Um assassinato por asfixia.

A Faixa de Gaza já está de fato isolada do mundo. As mercadorias que ela tem direito de receber oficialmente são irrisórias. Para sobreviver, seus habitantes precisam escavar túneis em profundidades muito grandes (até 20 metros) embaixo da fronteira. Há várias centenas desses túneis e eles são soberbos, com eletricidade e ventilação.

Tudo transita por lá. Coca-cola, motos, geladeiras, cimento. Até os animais do zoológico de Gaza entraram por esses túneis: um crocodilo, duas cegonhas e os avestruzes. Macacos também. Esses macacos, aliás, acharam que sua hora havia chegado: o contrabandista pediu aumento de salário. Os entendimentos demoraram três dias. Os macacos quase morreram de sede e de raiva.

São essas vias subterrâneas que o Egito decidiu bloquear, instalando placas de aço embaixo da terra. O Egito é, contudo, um país muçulmano - o único que se entende com Israel e apoia a outra direção dos palestinos, o Fatah, que busca um acordo.

A ação contra os túneis, lançada pelo Egito do presidente Hosni Mubarak, enfureceu os moradores de Gaza. Eles se sentem traídos por um país muçulmano. "Eles nos estrangulam, em conluio com os israelenses." As ruas de Gaza designam o grande culpado: os EUA, uma vez mais. Foram-se os tempos em que os moradores do território achavam que Barack Obama dobraria Israel. Hoje, eles veem Obama mais como um americano do que como um "bom sujeito".

As ruas não se enganam completamente. Washington teria lembrado recentemente o Egito de que ele recebe US$ 1,7 bilhão por ano em ajuda americana. Portanto, Mubarak deveria ser mais enérgico com o contrabando que passa pelos túneis de Gaza.

Um comentarista político do Hamas resume as mazelas de seu povo: "Se o Egito quisesse enviar uma mensagem política ao Hamas, não precisava construir esse muro de aço que pode causar uma nova catástrofe humana. Se Mubarak age assim, é evidente que esse muro faz parte de um plano mais amplo, que vai além do Egito".