Título: Muro em Gaza põe pressão sobre presidente do Egito
Autor: Kresch, Daniela
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/01/2010, Internacional, p. A12

Mubarak, no poder há 29 anos, é acusado de favorecer Israel e de cooperar com os EUA

A tensão entre egípcios e palestinos acentuou a ambígua política do Egito em relação ao conflito no Oriente Médio e a delicada situação do presidente do país, Hosni Mubarak. Mesmo com um governo forte, ele enfrenta pressão do mundo muçulmano e de sua oposição interna, por um lado, e dos EUA e de Israel, de outro.

Os palestinos reclamam de medidas tomadas pelo Cairo, entre elas a proibição da entrada na Faixa de Gaza de um comboio internacional com toneladas de ajuda humanitária aos 1,5 milhão de moradores.

No entanto, a medida mais criticada é a decisão de construir um muro subterrâneo na fronteira com Gaza, o que deve restringir o contrabando de produtos para a região. A obra, apelidada pelos palestinos de "Muro da Morte", começou a ser construída em meados de novembro e prevê a colocação de centenas de vigas de metal de 18 metros de profundidade ao longo dos 14 quilômetros de fronteira.

A ideia é bloquear a passagem dos cerca de 400 túneis subterrâneos que ligam Rafah, no sul de Gaza, ao Deserto do Sinai, no norte do Egito. As passagens movimentam cerca de US$ 1 milhão por dia.

Por elas, passa de tudo: de mantimentos a materiais de construção, de animais a motocicletas. Até noivas cruzam a fronteira por baixo da terra. Sem contar o contrabando de armas e munições.

O fim dos túneis, ou sua redução substancial, tende a piorar da situação econômica de Gaza, que hoje depende, em grande medida, do contrabando de bens para driblar o bloqueio econômico israelense e egípcio, que começou em 2007, assim que o Hamas tomou o poder no território. Para o chanceler egípcio, Ahmed Abul-Gheit, a barreira é uma questão de defesa nacional. "O Egito está colocando estruturas para defender suas fronteiras", disse.

As decisões do Cairo têm deixado Mubarak numa saia-justa diante do mundo árabe e da opinião pública interna de seu país, que apoia os palestinos. Semana passada, em um dos protestos contra o Egito em Amã, na Jordânia, manifestantes queimaram bandeiras do país e levaram cartazes com a imagem de Mubarak com uma Estrela de Davi na testa.

Houve protestos também no Líbano e em outros países árabes. Na Cisjordânia, apesar do antagonismo ao Hamas, autoridades fizeram acusações diretas. "Os egípcios falam em apoiar os palestinos enquanto cooperam com o estado de sítio a Gaza. O Egito colabora com os EUA", afirmou Hassan Hreisheh, vice-relator do Conselho Legislativo Palestino.

APOIO

Para muitos, as recentes medidas provam que Mubarak, no poder há 29 anos, decidiu cooperar com o Ocidente em detrimento dos palestinos. Há tempos Israel e EUA pedem ações contra o contrabando de armas para Gaza - financiadas por Irã e Síria, que aumentam o arsenal do Hamas.

Mubarak teria concordado porque não pode abrir mão da ajuda financeira dos EUA de cerca de US$ 2 bilhões anuais - o dobro do que Washington desembolsa para Israel. O líder egípcio ainda estaria enfraquecido no cenário internacional diante de países como Arábia Saudita, Irã e Síria.

"O Egito sempre equilibrou sua fraqueza interna com sucessos externos. Era considerado o líder do mundo árabe. O Egito está em maus lençóis. Mubarak não tem opção, a não ser seguir o que ditam os EUA", afirma o ativista de extrema esquerda israelense Uri Avinery.

Para outros analistas, a meta de Mubarak seria enfraquecer a oposição egípcia para manter seu regime. O Hamas é considerado o braço palestino do movimento opositor egípcio Irmandade Muçulmana, que tem como plataforma adotar a lei islâmica no país. Ao reprimir o Hamas em Gaza, Mubarak estaria enfraquecendo o grupo.

Além disso, a pressão ao Hamas pode fortalecer o partido palestino moderado Fatah, do presidente Mahmoud Abbas, que controla a Cisjordânia. Há meses, Mubarak tenta mediar um acordo de união entre Hamas e Fatah. Segundo assessores, o presidente egípcio está irritado com a recusa do Hamas em assinar o acordo.

"Se a barreira evitar o contrabando, a pressão econômica sobre o Hamas aumentará. Isso pode fazer com que ele seja mais flexível nas negociações", diz o professor israelense Meir Litvak, especialista em História do Oriente Médio, da Universidade de Tel-Aviv.

Segundo alguns especialistas, Mubarak teria ainda como objetivo enviar uma clara mensagem ao Hamas. "A posição do Egito não é ajudar Israel a continuar com o bloqueio a Gaza ou responder às exigências dos EUA de prevenção ao contrabando", afirma o analista Tzvi Barel, do jornal israelense Haaretz. "O objetivo de Mubarak é mostrar ao Hamas que, assim como o Egito tem o poder de abrir a fronteira quando quiser, também pode fechá-la quando quiser."