Título: As brechas na malha antiterror
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2010, Notas e informações, p. A3

O presidente Barack Obama e os seus principais assessores estavam ontem às voltas com as conclusões da investigação por ele ordenada sobre a "combinação de falhas sistêmicas e humanas que contribuíram para essa quebra de segurança potencialmente catastrófica" ? como ele disse na sua primeira manifestação a respeito do atentado terrorista que quase deu certo no Dia de Natal, nos Estados Unidos. Um militante islâmico treinado e armado pela Al-Qaeda no Iêmen, o nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab, por pouco não conseguiu detonar um explosivo a bordo de um avião procedente de Amsterdã, com 290 passageiros, quando se preparava para pousar em Detroit. O suicida foi subjugado, e ninguém, além dele, se feriu. O evento, porém, causou um impacto político e psicológico sem precedentes no governo Obama.

O episódio confrontou os americanos com as memórias do 11 de Setembro, reacendeu o debate sobre as limitações da chamada guerra contra o terror e colocou no centro das atenções o Iêmen. Durante dois dias, por medida de segurança, os Estados Unidos mantiveram fechada a sua embaixada em Sanaa, a capital iemenita. Em 2008, a representação já tinha sido atingida por um carro-bomba que deixou 19 mortos, entre eles uma americana. No ano passado, os EUA gastaram US$ 67 milhões em assistência militar ao enfraquecido governo do presidente Ali Abdallah Salleh. Este ano a conta poderá chegar a US$ 150 milhões.

"A Al-Qaeda tem algumas centenas de membros no Iêmen e sua força é crescente", reconhece o coordenador de Contraterrorismo da Casa Branca, John Brennan. Parte deles migrou do Afeganistão e Paquistão. Outros conseguiram fugir das prisões locais para as quais haviam sido transferidos de Guantánamo ? onde, por sinal, praticamente a metade dos detentos é iemenita. A organização criou até uma marca própria, Al-Qaeda da Península Arábica. Com o ato do nigeriano Abdulmutallab a caminho de Detroit, ficou claro que o movimento deixou de representar uma ameaça apenas local ou regional. Segundo um funcionário americano em Sanaa, "o Iraque foi a guerra de ontem, o Afeganistão é a guerra de hoje e, se não agirmos preventivamente, o Iêmen será a guerra de amanhã". O problema é a eficácia das ações para "desorganizar, desmantelar e derrotar os extremistas violentos que nos ameaçam", nas palavras de Obama que ecoam a fútil retórica do antecessor George Bush.

Os EUA foram aparentemente bem-sucedidos ao coordenar e municiar os ataques do governo iemenita contra bases terroristas no país, em 17 e 24 de dezembro. A ofensiva eliminou os membros de um grupo suicida que planejava explodir instalações americanas na capital. Inteligência, logística e força militar funcionaram adequadamente nesse caso, ao que tudo indica. Mas o fato de não ter sido impedida a execução do plano de que Abdulmutallab foi incumbido pela Al-Qaeda da Península Arábica demonstra as imensas dificuldades para fazer funcionar, quando dele mais se precisa, o monumental sistema de prevenção a incursões terroristas em território americano, que vem consumindo fortunas e envolve todas as 16 agências nacionais de espionagem. Ainda está para ser inventada a malha antiterrorista que não deixe passar uma única investida.

Desde agosto, a Agência de Segurança Nacional americana sabia que a Al-Qaeda tramava um atentado usando um nigeriano. Em novembro, o seu pai contou à CIA que ele se tornara um extremista e vivia no Iêmen. Nem por isso o seu visto de entrada nos EUA foi revogado. Em dezembro, uma passagem em seu nome para Detroit foi comprada em Gana e paga em dinheiro. Ao embarcar, ele não tinha bagagem a despachar. Nem por isso foi tratado como suspeito ? e o plástico explosivo que trazia na cueca passou pelo raio X. Por "falhas sistêmicas e humanas", como disse Obama, os órgãos de inteligência não compartilharam os indícios sobre Abdulmutallab e a operação. Ninguém, em suma, ligou o nome à coisa. O reforço da segurança nos aeroportos e aviões, além da decisão de submeter cidadãos de 14 países a revistas obrigatórias antes do embarque para os EUA, é um pobre substituto para o manejo eficaz da arma mais importante contra o terror ? a informação.