Título: E a toga virou japona
Autor: Chaves, Mauro
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2009, Espaço aberto, p. A2

Mais obtuso do que impedir o uso para evitar o abuso - dizendo-se, por exemplo, que o famoso caso da Escola Base não teria havido se aplicada boa dose de censura prévia - é invocar o pensamento de Karl Marx (mesmo tentando escondê-lo sob o disfarce de um anônimo "autor do século 19") para justificar o poder censório dos magistrados. Na verdade, os ministros que afrontaram, com as mais fortes cargas de cinismo, um dos valores mais preciosos da democracia, que é a plena liberdade de expressão, conseguiram sintetizar, melhor do que quaisquer exibições de intolerância vindas à tona nos últimos tempos, a verdadeira face de uma

Mas o leal vassalo, conhecendo/ Que seu senhor não tinha resistência,/ Se vai ao castelhano, prometendo/ Que ele faria dar-lhe obediência./ Levanta o inimigo o cerco horrendo, / Fiado na promessa e consciência/ De Egas Moniz; Mas não consente o peito/ De moço ilustre a outro ser sujeito. (Os Lusíadas, Canto 3º - 36)

Quando a ditadura impõe censura supõe que o corte na circulação da notícia, da informação ou da opinião é capaz de desfazer a "comunicação corrente", sem fio e sem papel, que sempre se estabeleceu entre as comunidades. Mas se hoje em dia essa comunicação se tornou mais incontrolável, na mesma proporção virou mais incensurável. Por exemplo, até as pedras do Estado com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País sabem que o filho administrador do presidente do Senado é o verdadeiro executor e, portanto, o maior responsável por todas as

Tome 1 frango depenado e tempere-o inteiro, com vinagre, caldo de limão, gengibre ralado, mostarda, alho, pimenta tabasco, sal, bicarbonato de sódio e algumas gotas de angustura, esfregando-o bem com cheiro verde. Deixe descansar nesse tempero por algum tempo. Leve ao fogo uma caçarola com gordura e quando esta estiver quente deite-lhe o frango com todo o tempero. Tampe a panela para que o frango vá assando devagar, com o bafo.

Escreveu o jurista Walter Fanganiello Maierovitch (Estado, 11/12), no seu texto Uma decisão da qual me envergonho: "Quando em jogo a Liberdade de Imprensa - que assegura o desenvolvimento da vida democrática - não se pode, numa Suprema Corte, adotar-se uma postura burocrática, como se estivéssemos ao tempo do direito sumular romano, em que a forma tinha mais importância que o fundo. Deixar de examinar o mérito da questão, a título da inadequação da via escolhida e quando, de uma clareza solar, há violação à liberdade de imprensa, coloca a nossa Suprema Corte entre as piores do planeta." Nas verdade o jurista foi até generoso em chamar de "postura burocrática" o que a maioria dos ministros (felizmente, com brilhantes exceções) revelou em termos de espírito autoritário e censório, nisso desmentindo, finalmente, o saudoso Auro Soares de Moura Andrade, quando disse que "japona não é toga" - pois a toga virou japona. Agora, o que pareceu mais repulsivo foi quando

E por estes ao Rei presentes manda,/ Por que a boa vontade que mostrava/ Tenha firme, segura, limpa e branda,/ A qual bem ao contrário em tudo estava./ Já a companhia pérfida e nefanda/ Das naus se despedia e o mar cortava./ Foram com gestos ledos e fingidos,/ Os dois da frota em terra recebidos. (Os Lusíadas, Canto 2º - 8)

Como já passamos por censura férrea em ditaduras, nossa Constituição é mais enfática, quanto à aversão à censura, do que as Constituições de quaisquer democracias. Nos EUA, por exemplo, a plena liberdade de expressão é garantida pela Primeira Emenda e, por decisão da Suprema Corte (caso Red Lion, de 1969), estabeleceu-se que o direito primordial não é o de quem transmite a informação (jornalistas, veículos de comunicação), e sim de quem a recebe (leitor, ouvinte, telespectador). Mas nem lá existe repetição tão exaustiva da repulsa à censura como a contida nos artigos 5º, 220 e respectivos parágrafos e incisos de nossa Constituição. É por isso que, quanto à sua capacidade de interpretar nosso texto constitucional, a maioria dos membros de nosso chamado Pretório Excelso se revelou, no mínimo,

Corte meio quilo de fígado de vitela em postas, tempere com sal, alho, coentro, raspa de limão, pimenta malagueta, uma colher de sopa de conhaque e frite em manteiga bem quente, deixando dourar dos dois lados. Quando estiverem cozidas retire as postas da frigideira, ponha-as no prato sobre folhas de alface, untadas com mel de abelha e salpicadas com pitadas de páprica, junte um pouco de caldo de limão galego e vire por cima um pouco de molho de peixe.

Foi o decano ministro do Supremo quem proferiu o voto mais lúcido e brilhante em defesa da liberdade de expressão. Entre outras coisas, disse ele: "A censura traduz a ideia mesma da perversão das instituições democráticas, em um regime político em que a liberdade deve prevalecer." E disse mais: "Entendo particularmente grave e profundamente preocupante que ainda remanesçam, sim, no aparelho de Estado, determinadas visões autoritárias que buscam justificar, pelo exercício arbitrário do poder geral de cautela, a prática ilegítima da censura." Realmente, parece incrível que o mesmo colegiado que tem como participante mais antigo alguém imbuído de tal percuciência e sensibilidade democrática também seja integrado por alguns que, com o perdão da palavra,

Por vos servir, a tudo aparelhados;/ De vós tão longe, sempre obedientes;/ A quaisquer vossos ásperos mandados,/ Sem dar resposta , prontos e contentes./ Só com saber que são de vós olhados,/ Demônios infernais, negros e ardentes,/ Cometerão convosco, e não duvido/ Que vencedor vos façam, não vencido. (Os Lusíadas, Canto 10º - 148)

Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor