Título: Após fraude no Enem, presidente do Inep se demite
Autor: Cafardo, Renata ; Iwasso, Simone
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2009, Vida&, p. A25

Em carta, Reynaldo Fernandes assume responsabilidade pelos erros na prova; substituto é João José Soares Neto

O vazamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) derrubou o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep), Reynaldo Fernandes. Ele pediu demissão na segunda-feira, mas a decisão só foi comunicada ontem. O órgão é o responsável no Ministério da Educação (MEC) pela realização da prova, que foi cancelada em outubro após denúncia do Estado.

O substituto será o atual diretor do Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe), João José Soares Neto. A entidade da Universidade de Brasília (UnB) foi contratada emergencialmente para realizar o Enem deste ano, depois do vazamento. Soares Neto, de 50 anos, é físico, professor da UnB e pesquisa avaliações educacionais. Seu nome será anunciado oficialmente segunda-feira.

Em entrevista ao Estado em novembro, o ministro Fernando Haddad havia dito que queria transformar o Cespe na "Fuvest do MEC", numa referência à entidade que realiza o vestibular da USP.

Em carta aos funcionários, Fernandes assumiu a responsabilidade "de todo o ocorrido". "Nenhum problema por nós enfrentado nesses últimos quatro anos se compara, em termos de gravidade, ao furto da prova do Enem", escreveu. Fernandes é economista, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos especialistas em avaliação mais respeitados do País.

Depois do cancelamento da prova, segundo Fernandes, o "ambiente de trabalho no Inep foi muito deteriorado". "Era preciso refazer o exame de forma segura e em tempo recorde (...). Tudo isso sob muita pressão, pois as cobranças eram inevitáveis", diz a carta.

Ele imaginava que, depois da nova prova, a situação se acalmaria, o que não ocorreu. "Elevada abstenção e opiniões de que as questões de prova estavam mais distantes das propostas pelo novo Enem (...) foram noticiadas pela mídia. Erros como a divulgação de gabaritos com inconsistência foram interpretados como exemplos de descaso e descontrole." A carta foi recebida com tristeza no Inep e funcionários choraram.

Haddad e Fernandes vinham discutindo a demissão há cerca de dez dias. Amigos de mais de 20 anos, os dois se conheceram na USP. O ministro preferia manter o presidente e demitir todo o segundo escalão do Inep. "Se ele entendeu que era o momento de uma mudança para que o instituto recuperasse sua trajetória, que ele próprio imprimiu, tenho que respeitar sua decisão", disse Haddad, em Porto Alegre. Para ele, o Inep foi "vítima de um ato de delinquência".

Especialistas em avaliações lamentaram a demissão. Para eles, apesar das falhas no Enem, Fernandes levou credibilidade e estabilidade para o Inep, que nos primeiros anos do governo Lula trocou de presidente três vezes. "O que eu espero é que o novo presidente dê continuidade à gestão e tenha um perfil semelhante ao dele", afirmou Maria Helena Guimarães de Castro, presidente do órgão no governo FHC.

Para Francisco Soares, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele fez transformações importantes no sistema, como a criação de um indicador de qualidade, o Ideb, e as metas para as escolas. "É natural que o líder da equipe assuma os erros, mas é lamentável a saída dele." Para Maria Inês Fini, ex-coordenadora do Enem, a gestão de Fernandes foi "excelente".